Orunmilá tornou-se o Arauto de Olorun para a ligação dos dois mundos: Orun /Além e Ayê / Terra. Retornando ao Odé Ayê com os outros 15 Imole, Orunmilá começou a procurar pelo "décimo sétimo" que deveria ser convidado a morar com eles.
Depois de muitas tentativas infrutíferas, decidiram que uma poderosa Aje / Senhora do Feitiço - A Ebora Osum - deveria conceber um filho de Oso / O Senhor do Poder Mágico, filho esse que receberia, ainda no ventre materno, o Axé / Força Mágica de todos os Imole, por imposição conjunta de suas mãos, o transformasse no Mensageiro por excelência das oferendas dos Imole e se acabassem as desgraças sobre a Terra.
Assim foi gerado o Filho do Feitiço com o Poder Mágico, que recebeu o nome de Osetuwa, e este novo Orixá gerado, passou a tentar cumprir o seu dever de mensageiro, mas sem obter absolutamente nenhum sucesso. Até que um dia, em aflição, lembrou-se de procurar o quase desconhecido Imole Exu Odara / Exu da Felicidade, para pedir-lhe conselhos e ajuda.
E Osetuwa dirigiu-se a Exu Odara e pediu-lhe ajuda para levar suas Oferendas dos Imole a Olorun. E Exu Odara respondeu a Osetuwa: "Como? Jamais pensei que você viesse me avisar antes de partir! Por este seu gesto, hoje o Orun lhe abrirá as portas". E, então, Osetuwa e Exu Odara, puseram-se a caminho e partiram em direção aos portões de Orun. Quando lá chegaram, as portas já se encontravam abertas.
Osetuwa então pôde entregar as oferendas dos Imole a Olorun e Este, aceitando-as por virem de Imole Esu, deu a Osetuwa "todas as coisas necessárias à sobrevivência do Mundo". Osetuwa voltou ao Aiyê ( mundo material) e tudo frutificou. Tão gratos lhe ficaram os Imole que o cobriram de presentes e o celebraram como o único dentre eles que conseguira levar as oferendas ao Orún. Mas, Osetuwa, com humildade, levou todos os presentes que recebera e deu-os todos a Exu Odara.
Quando os deu a Exu, ele lhe disse: "Como? Há tanto tempo eu entrego os sacrifícios e nunca houve ninguém para retribuir-me a gentileza! Você, Osetuwa, todos os sacrifícios que eles fizerem sobre a Terra, se não os entregarem primeiro a você para que você possa trazer a mim, farei com que as oferendas não sejam aceitas". E foi assim que Osetuwa tornou-se um poderoso Akin Oso - Manipulador do Poder, duplamente por seu nascimento e pela confirmação de Imole Esú Odara, por ter mostrado a todos os Imole que Exu era realmente o Osije - Mensageiro Divino e que também tinha o poder de aceitar ou recusar os sacrifícios rituais, porque era o verdadeiro Eleru - Senhor da Obrigação Ritual.
A partir de então, os 600 Imole decidiram dar ao Imole Exu um "pedaço de suas próprias bocas" para que ele pudesse falar por todos quando fosse perante Olorun, pois era patente que ele era o outro Imole, além de Orumilá, que podia apresentar-se perante Ele. Imole Esu, muito sabiamente, uniu todos esses pedaços em sua própria boca e assim tornou-se o Enu Gbarijo - Boca Coletiva de todos os Imole.
Desde então, como retribuição de Exu aos outros Imole, cada um desses possui ao seu lado o seu Esú Okoto - Caracol, o Mais Um a quem ambos delegam os seus poderes. Desta forma, por delegação espontânea de todos os Imole, Exu tornou-se também o Elegbará - Senhor do Poder Mágico. E como toda a Criação é também regida pelos Imole, todo Ser vivente no Aiyê, assim como possui o seu Olori, ou seja, o seu Orixá ou a sua Eborá, que são o senhor ou a Senhora de seu Ori (cabeça), também tem de ter o seu Exú Bará - Exu do Corpo.
Isso explica muitas coisas que são atribuídas a Exú nos cultos afro brasileiros, pois ele é responsável pela natural atividade sexual, que é um atributo do corpo, pois sem essa atividade, não há procriação, que é a multiplicação e abundância, quer seja vegetal, animal ou humana. E, para isso, Imole Esú, sendo o Elegbará e o Bará, recebeu de Olorun os símbolos dessa ação dinamizadora e frutificadora: O Ado Iran, Cabaça arredondada, de longo pescoço, recipiente de poder mágico que contém inesgotável Axé - Força Mágica, bastando ser apontada a um objetivo para emanar e propagar esse poder mágico: gorro tradicional de ponta alongada e caída, terminada na forma da grande peniana humana. Daí ser o pênis humano, em ereção, uma de suas mais populares e ancestrais representações. E este foi, como já se conhece da história, um dos aspectos de Imole Esú, que mais escandalizou os missionários de outras religiões, que então dispararam contra ele todas as suas "armas". Porém, nunca atentaram para o fato que em nenhum dos milhares de versos de contos de Ifá, Imole Esú jamais assume a função de procriador. E mais, suas diversas formas têm por origem a divisão do seu próprio Ser em milhares de partes pela espada de Orunmilá.
Mas Imole Esú tinha outra função que despertou o interesse dos catequistas das novas religiões, que nela viram a oportunidade otimizada para a destruição de sua importância entre os Iorubás: a função de Executor Divino. Como Imole Esú é o Mensageiro Divino e o Senhor do Carrego Ritual prescrito por Orunmilá - Ifá, ele é também o L'Onan - Senhor dos Caminhos, tanto dos benefícios (Ona Rere), quanto dos malefícios (Ona Buruku), abrindo ou fechando conforme os sacrifícios prescritos aos fiéis forem ou não cumpridos.
Por isso, ele é também o Ol'obe - Senhor da Faca, significando ser o Executor dos Sacrifícios, mas também, no sentido ritualístico, "Aquele que tem o poder da vida e morte". À Obè (faca), Imole Esu junta ainda a sua Opá (bolsa), na qual carrega os seus objetos ritualísticos mágicos, entre eles os "fragmentos de cabaças", símbolo do Ser destruído, mas, por sua vez, destruidor. Talvez um dos seus emblemas mais temidos e somente manipulado por seus El' Seu, ou seja, pelos Sacerdotes do Imole Esu. Por tudo isso, está sempre " do lado de fora", nos "caminhos", onde tem seu lugar predileto, a Orità Meta - Encruzilhada de Três Caminhos, onde ele aceita, carrega, transporta e premia, mas também de onde vigia, adverte, recusa e pune. Foi então que os primeiros catequistas de outras religiões passaram a pregar que todas as desgraças acontecidas aos fiéis dos Orixás Iorubas, merecidas ou não, derivavam da ação nefasta e indiscriminada de Imole Esu, o qual apenas faria o mal pelo mal.
Por sua vez, os Iorubas escravizados viram nesta interpretação equivocada de Executor por Malfeitor, uma nova arma para se defenderem, e passaram a ameaçar abertamente os seus inimigos com as artes punitivas do Imole Esu, que assim começou a transformar-se em "Exu" e a sincretizar-se, nas mentes mais fracas, com a figura do "diabo" medieval católico. Daí a ele começar a ser representado e apresentado como um Ser tenebroso e mau, foi apenas a mesma "descida da ladeira" por onde escorregaram os sincrético cultos afro-brasileiros.
Mas, na realidade, no Credo Iorubá Imole Esu é o símbolo não da subtração, mas da restituição que os humanos devem fazer através de oferendas daquelas coisas que eram necessárias à sobrevivência do Mundo e que Olorun deu aos Imole Osetuwa e Esu para salvá-la, e não para destruí-la. E é na execução das oferendas com esta intenção, que só Esú Elebo - Senhor das Oferendas é capaz de tornar aceitável a Olorun, que está a "chave" que permite ao fiel alcançar seu objetivo. E se conseguir alcançar seu objetivo, naturalmente obterá também a satisfação (Alafia) de seus anseios maiores. Assim, deve agradecer também a Esú Aláfia - Senhor da Satisfação Pessoal.
É sobretudo sob as múltiplas variantes de Bará, Esú Gbarijo, Elebo e Aláfia que o Orixá Orunmilá se utiliza do Imole Esú para poder atuar como o Arauto dos Orixás sobre os destinos humanos do jogo Divinatório de Ifá, quer através do Opon e do Opelè, quer através dos Búzios.
Por isso mesmo, os Odus sempre aconselham a Pa Esú, ou seja, a apaziguar o Imole Esú, e não a tentar subordiná-lo para ter um "malfeitor" às ordens. Ele é o Princípio Restaurador do Equilíbrio no Credo Iorubá, daí suas representações pouco conhecidas. Fpra sua representação fálica, ora "fumando cachimbo" simbolizando a absorção e a ingestão, ora "tocando flauta", simbolizando a doação e a restituição.
E assim, os Orisirisi Esú contam como ele distribui generosamente crescimento e honras "vomitando-os" após ter ingerido todo tipo de alimentos e bebidas rituais das oferendas, e como há um determinado elemento - o fumo de rolo picado - que infalivelmente provoca essa inusitada transformação, multiplicação e restituição.
Tudo isso ele assim faz em troca de somente três coisas: a coragem do fiel em tentar cumprir seu próprio destino; respeito do fiel aos fundamentos de tradição dos Orixás e a oferta de seu Ebó / Oferenda específico que lhe é destinada em ritual próprio, o Ipadê, cujo literal significado é justamente "ato de reunião de apaziguamento", e não para pedidos de destruição e vinganças aleatórias, como pensam aqueles que, na verdade, não conhecem a essência do Senhor Imole Esú, por que se esqueceram ou não conhecem as suas raízes espirituais ancestrais, ou, pior ainda, as renegam.
Dito isso ( e mais haveria ainda a dizer), eis porque tão poderosa divindade sempre foi e ainda é cultuada e servida antes até que servidos s cultuados sejam os Orixás, em qualquer situação e lugar. Remarquemos a mais que, especificamente no Ebó de seu Ipadê, Imole Esú não recebe sangue animal e sim seu sucedâneo transmutado - O Epô - Azeite de Dendê.
Uso e costumes ancestrais de outros povos, legítimos e fundamentados à sua época, podem muito bem serem transmutados em novos tempos, como já acontecia mesmo na África, onde os Babalawôs tinham, a seu critério, o poder de substituir os animais preceituados para oferenda por suas penas, escamas e couros, devendo o valor de mercado do animal a ofertar ser distribuído em esmolas entre os carentes de sua comunidade.
Por outro lado, a atuação de Imole Esú como Mensageiro dos Orixás para a entrega das Oferendas a Olorun dificilmente é compatível ou coerente com sua posterior identificação com o "Satã" pelos cristãos e muçulmanos. Tal tentativa de analogia só se explica por não se encontrar no credo Iorubá a ideia de "diabo" como em outras religiões não africanas. De fato, mesmo face à situação irregular dos suicidas no pensamento Iorubá, seres carentes de coragem em enfrentar seu próprio destino, os iorubanos jamais criaram a ideia grosseira de uma eterna punição; para eles, prêmio ou castigo eram provações a serem experimentadas aqui mesmo, nesta Terra, ou pela falta de retorno a ela.
Assim, a ideia de um Esú essencialmente trevoso e mau é uma contrafação sincrética com o "diabo" medieval católico, forçada e imposta pela escravidão e consequente perda de valores iniciatórios das religiões africanas no Brasil, mas que nunca existiu na África em tempo algum.
E, muito embora nas lendas populares Imole Esú passasse a ser conhecido como "manhoso", "trapaceiro" e notoriamente "encrenqueiro" se faz "apaziguado" por seu Ebó, a sua suposta imagem de malignidade decorre, na verdade, de ele ter o importante papel de Executor Divino, punindo aqueles que descuram as oferendas prescritas para eles, mas recompensando aqueles que as cumprem.
Entretanto, ele nada faz por conta própria, servindo fielmente a Olorun e ao Orixá Orunmilá-Ifá. Também os Orixás e as Eborás podem convocá-lo para se utilizar da variedade de punições postas sob seu comando. E isto porque, com imensa sabedoria, o credo Iorubano ancestral prega que Orixá algum pune diretamente seus "filhos", mesmo os transviados, os transgressores e os ofensores: isto é função de Imole Esú.
Os versos dos Contos de Ifá dizem que Imole Esú é também encarregado por Olorun para vigiar as ações de outras divindades no Aiyê (mundo material). E isto só pode se dar, dizem os fiéis, porque ele é notável e notoriamente equânime no seu papel de Executor Divino. É por tudo isso que todos os devotos de Orixás e Eborás se voltam para Orunmilá-Ifá em tempos de dificuldades buscando essa equanimidade e, a conselho dos Babalawôs, oferendam a Imole Esú e, por seu intermédio, a Olorun.
Para que os Babalawôs não se excedam nas prescrições dessas oferendas, Imole Esú está sempre presente na Divinação Sagrada de Ifá como o décimo sétimo Ikin (coquinho de dendê), o Olori Ikin (senhor dos coquinhos de dendê consagrados), que leva a sua efígie gravada.
Por essa razão, este décimo sétimo Ikin é também chamado de Oduso (vigia dos Odús). Colocado no tabuleiro de Ifá em uma posição privilegiada quanto a do Babalawô, ele representa Esú Oduso, que é o vigia dos signos - resposta do Sistema Ifá - e, consequentemente, de suas verdadeiras interpretações pelos Babalawôs, pois todo o bom cumprimento do Iwò (destino do consulente) depende de se bem compreender a mensagem que Orunmilá quer transmitir ao consulente. Daí se compreender que a ligação do Imole Esú com o jogo do Ifá é inquestionável.
Imole Esú não é nem mal nem tenebroso, pelo contrário, frequenta o Orun (mundo espiritual), reporta-se diretamente a Olorun e dialoga com os Imoles e com os Onilés (antepassados). Ele também não é vingativo indiscriminadamente, mas é transformador divino, que trata com equanimidade divindades, ancestrais, Babalawôs e humanos por ordem de Olorun.
E nada executa por sua própria vontade, mas cumprindo fielmente as ordens de Olorun e os \ditames do Iwá (destino livremente escolhido por cada fiel) e, através de Orunmilá, cumpre também as ordens das divindades. E se ele é considerado trapaceiro e encrenqueiro, o é pelos culpados, porque ele é o fiscal de Olorun junto aos Orixás e, ainda, o vigia dos Babalawôs e do bom cumprimento das obrigações rituais e sacrificiais por cada fiel. E se ele pode até matar, como se pode ler em diversos Itan-Ifá, é também Ele quem representa a vida e sua dinamização/continuação por meio do legítimo e natural ato sexual que leva os humanos a procriarem.
Se assim é há milênios, a Imole Esú só é devida a coragem de cada fiel em tentar cumprir o seu destino livremente escolhido antes de nascer. A ele oferecemos a oferenda específica - o Ebó - de seu ritual Ipadê e nossa saudação:
"Agbá Esú! Mo ju bá! Ibà sè ò!
Eis aqui seus maiores 16 títulos e suas correspondentes qualidades, os quais sempre foram ligados aos 16 Odús / Fundamentos de Tradição dos Itan-Ifá / Contos de Ifá de Ilê Ifé / A cidade santa de Ifé:
- Esú Yangi - Senhor da Laterita Vermelha;
- Esú Agba - Senhor Ancestral;
- Esú Igba Keta - Senhor da Terceira Cabaça;
- Esú Okoto - Senhor do Caracol;
- Esú Oba Baba Esú - Pai de todos os Esus;
- Esú Odara - Senhor da Felicidade;
- Esú Osije - Mensageiro Divino;
- Esú Eleru - Senhor das Obrigações Rituais;
- Esú Enu Gbarijo - Senhor da boca coletiva;
- Esú Elegbara - Senhor do Poder Mágico;
- Esú Bara - Senhor do Corpo;
- Esú L'Onan - Senhor dos Caminhos;
- Esú Ol'Obe - Senhor da Faca;
- Esú El'Ebó - Senhor das Oferendas;
- Esú Alafia - Senhor da Satisfação Pessoal;
- Esú Oduso - Vigia dos Odus.
Para finalizar, vou fazer um pequeno resumo sobre as oferendas a serem ofertadas a Exú.
A oferenda a Imole Esú é constituída de elementos materiais muito simples, mas de profundo significado, ao contrário do que se vê "despachado" pelas esquinas de nossas cidades e que quase não guardam relação alguma com seu significado original.
Omi (água): A oferenda por excelência, que fertiliza, apazigua e vitaliza tanto o Além quanto a Terra, especialmente se for a Omi Ato ( água de chuva), a "água sêmen" do céu.
Epo (azeite de dendê): símbolo da dinâmica da realização, da descendência, relacionada com o Eje Pupo / o sangue vermelho ou essência do Vermelho dos elementos gerados.
Otin ( bebida destilada branca): Vinho de palmeira na África e cachaça no Brasil. Relacionada com o Eje Funfun / "sangue branco" ou essência do branco dos elementos geradores.
Iyefun (farinha): qualquer farinha, a qual o símbolo de Eje Dudu "sangue preto" ou essência do preto dos elementos gestantes e fecundos, quase sempre na forma do Akasa (bolinho de pasta branca de milho deixado de molho, ralado e cozido, envolto na folha especial Ewe Eko - bananeira).
Axé a todos.
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