No contexto dos terreiros, "baiana" se tornou uma denominação comum para descrever o traje ritual, composto de saia armada com anáguas, camisa, bata, torço, chinelas e uma série de acessórios que se somam às roupas. "Estar de saia" ou "vestir a baiana" são expressões comumente encontradas nos terreiros para designar a filha de santo que está vestida adequadamente para as cerimônias.
Essa vestimenta, formada a partir do amálgama de várias influências culturais, foi se alterando até chegar a forma encontrada no final do séc. XIX, dando origem à roupa de crioula, aos trajes das baianas de acarajé, dos Candomblés, até chegar às variações estilizadas do século XX, como as baianas de teatro de revistas, as alas das baianas e as dos filmes hollywoodianos da década de 1940. A vestimenta baiana é similar a um dos trajes de beca da Irmandade de Nossa Senhora da Boa Morte, em Cachoeira, que é o traja branco utilizado no cortejo de Nossa Senhora da sexta feira santa.
O luxo dos tecidos (as sedas, rendas e "custosos lavores"), o uso de muitas pulseiras e braceletes, as sandálias abertas, sem presilhas, se mantiveram durante décadas. O uso do "molho de variados berloques" (ou penca de balangandãs) quase que desapareceu. No entanto, alguns componentes desses balangandãs, se por um lado deixaram de aparecer na composição da baiana, passaram a fazer parte das vestimentas rituais dos Orixás e Nkisis, como peixes em metal, corações, pombos, chifres encastoados, pencas e capangas.
As roupas usadas no cotidiano de um terreiro são feitas com tecidos simples como o algodão, morim e a cambraia. São as chamadas roupas de ração, utilizadas para o trabalho diário de manutenção da casa de Santo, obrigações e limpezas.
As roupas de festas e principalmente as roupas usadas pelos Voduns, Orixás e Nkisis, denominadas roupas de gala, são confeccionadas com tecidos luxuosos como bordado richelieu, bordado inglês, além de brocados, lamês, sedas e rendas. Essas últimas aparecem com grande frequência no acabamento das peças, ou mesmo constituindo o tecido principal na confecção da vestimenta. As rendas, talvez, sejam a matéria prima encontrada com mais intensidade e em maior quantidade nas vestimentas de terreiros, ornando até mesmo as roupas mais simples, fato não observado apenas nas vestimentas confeccionadas em richelieu.
Em comum, o uso de Ojás, fios de conta (guias) em abundância, pulseiras de metal e miçangas, sais rodadas, onde pelo menos uma é ornada na barra com rendas pregueadas e outra decorada com fitas de cetim. E, finalmente, todas portam o Pano de Alaká (pano da costa), levados pendentes no ombro e variando o lado de seu uso.
O Alaká, talvez seja um dos elementos simbólicos mais importantes da vestimenta afro brasileira. Tradicionalmente confeccionado por processo artesanal, a matéria prima desses panos era o algodão, a seda e a ráfia, tecidos em tear manual. As tiras produzidas, de aproximadamente 15cm de largura, eram costuradas uma a uma, variando o seu número de acordo com o tamanho do pano que se queria obter. Quando feitos de seda (obtida pelo desfiamento de tecidos importados), era também chamado de xale da costa, mas os mais comuns eram confeccionados em algodão, geralmente bicolores. Os de maiores dimensões eram utilizados por pessoas de mais alta graduação na organização social religiosa dos terreiros.
Os panos produzidos nesses teares manuais eram habitualmente listrados, padronagem que durante muito tempo serviu como símbolo da exclusão na Europa, desde o século XIII, segundo Pastoureau. Desde o século XVI, até meados do século XIX, criados e escravos africanos eram retratados com vestes listradas.
Inicialmente produzidos em tons mais amortecidos, os panos tiveram suas cores alteradas pouco a pouco no Brasil, talvez pela inspiração dos coloridos paramentos eclesiásticos. A tinturaria variada do Congo, por sua vez, provavelmente influenciou o uso de corantes mais intensos na produção desses panis. Mas o Candomblé provavelmente foi decisivo para alterar o colorido dos panos da costa, em função das cores atribuídas às Divindades.
O pano da costa se prestou, ao longo do tempo, a uma variada gama de usos, como xales, pano de cintura, turbante, ou até mesmo para carregar crianças pequenas nas costas. Antônio Carreira descreveu o pano de lambu, bambu ou bamburo, vocabulário mandinga que significa "trazer ao dorso". Esse pano, segundo sua descrição, era menor que um pano da costa, podia ter de 60 a 80cm de largura, por um metro de comprimento, com quatro bandas (possivelmente faixas) que serviam de prendedores para se atar ao peito e abdômen, diferentemente dos panos da costa, que habitualmente tinham em média 2m de comprimento, e sem nenhum, e sem nenhum outro componente para amarração. O próprio pano é enrolado ou amarrado, de acordo com seu uso.
No candomblé, o Alaká pode ser usado de várias maneiras e com várias funções: enrolado no corpo, sobre o busto, enrolado na cintura, cruzado sobre o peito e amarrado no ombros ( e, nesse caso, se confunde com as bandas ou bandôs, podendo mesmo substituí-los), enrolado no colo, cobrindo o peito e os ombros, usado sobre um dos ombros, dobrado - nessa circunstância, também chamado de embrulho, especialmente na composição da roupa de crioula - como xale ou para cobrir os tambores sagrados quando não estão em uso, ou ainda para cobrir os assentamentos das divindades.
A quando uma filha de santo entra em transe, uma Ekede ou Makota (aquela que zela, acompanha e cuida das roupas e apetrechos do Orixá regente da casa) se apressa em mudar a forma de fixação do alaká ao corpo; originalmente enrolado, será imediatamente amarrado sobre o busto se a divindade for feminina ou cruzado sobre o peito e amarrado no ombro se a divindade for masculina. No caso dos filhos de santo que não possuem o Alaká em sua vestimenta cerimonial (que é reduzida a uma calça, uma camisa ou bata) é providenciado um para que seja atado a seu corpo. Na ausência do traje completo da divindade, o Alaká se presta a demarcar a presença da divindade em transe no iniciado.
O Ojá (também denominado toboso em algumas casas de matriz Angola-Congo) é uma faixa de tecido de uso variado nos terreiros de candomblé. Usadona cabeça à guisa de torço, pode também ser utilizado nas vestimentas como laços, nos tambores, na ornamentação do barracão, nos assentamentos, árvores sagradas e oferendas. É confeccionado em diversos tipos de tecidos como algodão, cetim, seda, chitão estampado, renda e bordados em richelieu e pode ter cores e padrões de estampa variados, embora o branco seja mais habitual.
Para compor a vestimenta ritual, são indispensáveis as anáguas de goma (ou saiotes) que, embora não sejam visíveis, são cuidadas com o mesmo esmero dispensado às outras peças. Usadas em número que varia de três a sete, são confeccionadas em tecido de algodão, ornadas com rendas e entremeios de algodão.
A técnica de engomamento é delicada e de difícil execução; quanto mais engomada, melhor será o resultado final da vestimenta. Após passar a ferro, brilham e ficam tão lisas como espelho. Sendo o orgulho das filhas de santo.
Encontramos nas páginas da internet, inúmeras formas de se vestir em rituais e cerimônias nos cultos afro descendentes. A paixão em dar o que se tem de melhor para abrilhantar uma festa, sua divindade, não pereceu ao longo dos tempos. As casas se enfeitam com as cores da divindade a ser celebrada e todos os filhos se unem para que a sua vestimenta esteja no nível de seu patrono. É bonito, encanta e ajuda a perpetuar o amor ao sagrado.
Obrigado pela leitura. Espero ter acrescentado um pouco de nossa cultura.
Axé axé axé.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.