Culto ao Tambor de Mina

Culto ao Tambor de Mina
Matinjalo meus amigos, irmãos e meus mais velhos. Me chamo Pai Jean de Xapanã e fui iniciado na Nação Mina-Jeje-Nago por Toy Voduno Francelino de Shapanan em São Paulo. Fui novice, fui vodunsi, fui vodunsirê e hoje sou Agunjai, um dos postos mais importantes dentro do Jeje ainda recebido das mãos de meu Pai. Tive a honra de ter sido o último barco de Agunjai dado por meu Pai. A última rama de Tobossi que saiu da casa de Toya Jarina. Uma grande honra poder completar essa obrigação pois, temos conhecimento que a última rama de Tobossi na casa de meu Pai, foi feita há 14 anos e, na casa de meu avó, há muito mais tempo. Em Salvador, nas casas Jeje, temos conhecimento que essa obrigação não era dada há mais de 25 anos. Isto prova a capacidade e a cultura de Pai Francelino e a casa das Minas de Toya Jarina. Dentro do Culto Jeje, sou Toy Azondelo. Tive a honra de ser o primeiro e o último Xapanan feito por meu Pai, honra essa me orgulha muito pois, um dia recebi as bençãos e a graça de Toya Jarina, pedindo para que eu fosse feito. Tive como madrinha Mãe Toya Mariana, a bela turca de Alexandria. Assim, ingressei para a família de Lego Shapanan, tornando-me filho de Francelino de Shapanan (que tinha como nome africano - Toy Akosakpata Azondeji), filho de Jorge Itaci de Oliveira ( Voduno Abê-Ka Dan Manjá), meu avô, que era filho de Maria Pia dos Santos ( Iraê Akou Vonukó). E, como tetravó, Basília Sofia ( Massionokom Alapong) que veio da África para o Brasil, da Nação Fanti-Ashanti e que aqui fundou o Ylê Axé Niamê, conhecido como Terreiro do Egito, tocando Mina Jeje-Nagô. Hoje digo a vocês: Manter a árvore genealógica, é mostrar para os outros onde nascemos, viemos e para onde vamos. Mostrando nossa identidade no Santo, é provar que temos um ancestral vivo e presente na nossa vida. Hoje ficamos muito tristes quando conversamos com pessoas da religião que não sabem sua identidade, sua ancestralidade. Se perdermos nossa identidade é como se tivéssemos perdido o nosso nome. E lembrem-se: preservar a ancestralidade é manter a tradição.Sou dirigente da Casa de Toy Lego Xapanã em Manaus. E, espero que meu Vodum abençoe todos nos dando Adoji aos nossos Oris. AXÉ AXÉ AXÉ

sexta-feira, 22 de setembro de 2017

Borí - A iniciação do Orí

O grande ritual de nascimento para os cultos Afro

As religiões afro descendentes sofreram algumas adaptações em seus rituais originais para que se enquadrassem melhor aos costumes e a disponibilidade de materiais que são utilizados em certas cerimonias e rituais, quando fez a migração para diversos países através de seus filhos escravizados pelos colonizadores. Um exemplo bem específico é o assunto que vos trago aqui no blog: O Borí, que é um processo inicial para a religião.
Na África, seus fundamentos são colocados em uma cabaça de cor branca e seu ritual difere em partes com o nosso. Evidente, que muito se abrasileirou. Outro exemplo, seria o assentamento dos santos. Aqui no Brasil, fazemos em louças, algumas adornadas com símbolos e cores do santo em questão, ou em alguidar feito de barro. Na África, vemos esses mesmos
assentamentos em árvores destinadas e sagradas para essa função. Claro, que o simbolismo é o mesmo em sua essência real e o sagrado entende as modificações. Com isso, perpetuamos essa linda e magnifica religião,
milenar e sacramentada em sua origem.

Agora, vamos iniciar nosso assunto de hoje:


Da fusão da palavra Bó, que em Iorubá significa oferenda, com Orí, que quer dizer cabeça, surge o termo Borí, que literalmente traduzido significa " Oferenda à cabeça".
Do ponto de vista da interpretação do ritual, pode-se afirmar que o Borí é uma iniciação à religião dos cultos afrodescendentes, na realidade, a grande iniciação, sem a qual, nenhum noviço pode passar pelos rituais de raspagem, ou seja, pela iniciação ao sacerdócio ou tornar-se um Ièsè Orisà.
Cada pessoa, antes de nascer, escolhe o seu Orì, o princípio individual, a sua cabeça. Ele revela que cada ser humano é único, tendo escolhido as suas próprias potencialidades. Odú é o caminho pelo qual se chega à plena realização de Orí, portanto, não se pode cobiçar as conquistas do outro. Cada um, como ensina Orunmilá-Ifá, deve ser grande no seu próprio caminho pois, embora se escolha o Orí antes de nascer na Terra, os caminhos vão sendo traçados ao longo da vida.
Exú, por exemplo, mostra-nos a encruzilhada, ou seja, revela que temos vários caminhos a escolher. Ponderar e escolher a trajetória mais adequada é a tarefa que cabe a cada Orí, por isso, o equilíbrio e a clareza são fundamentais na hora da decisão e é por intermédio do Borí que tudo é adquirido.
Os mais antigos souberam que Ajalá é o Orixá Funfun responsável pela criação de Orí. Desta forma, ensinaram-nos que Oxalá deve ser sempre evocado na cerimônia de Borí. Iemanjá é a mãe da individualidade e, por essa razão, está diretamente relacionada com o Orí, sendo imprescindível a sua participação no ritual.
A própria cabeça é a síntese dos caminhos entrecruzados. A individualidade e a iniciação, que são únicas e acabam, muitas vezes, configurando-se como sinônimos, como uma fusão, começam o Orí, que ao mesmo tempo, aponta para as quatro direções:
OJUORÍ = A Testa
ICOCO ORÍ = A Nuca
OPA OTUM = O Lado Direito
OPA OSSI = O Lado Esquerdo
Desta mesma forma, a Terra também é dividida em quatro pontos: norte, sul, leste e oeste. O centro é a referencia, portanto, logo todas as pessoas devem-se colocar como o centro do mundo, tendo à sua volta os quatro pontos cardeais: os caminhos a escolher e a seguir.
A cabeça é uma síntese do mundo, com todas as possibilidades e contradições.
Na África, Orí é considerado um Deus, aliás, o primeiro  que deve ser cultuado, mas é também, juntamente com o sopro da vida (emi) e o organismo (ese), um conceito fundamental para compreender os rituais relacionados com a vida, como o Axexê (asesé). Nota-se a importância destes elementos, sobretudo o Orí, pelos Orikis com que são invicados.
O Borí prepara a cabeça para que o Orixá possa se manifestar plenamente. Entre as oferendas que são feitas ao Orí, algumas merecem menção especial.
Oferendas importantes no Borí e seus significados:
  • A galinha de angola, chamada Etun ou Konkém no candomblé. Ela é o maior símbolo de individualização e representa a própria iniciação. A Etun é adoxú ( adosú), ou seja, é feita nos mistérios do Orixá.  Ela já nasce com Exú, por isso se relaciona com o começo e o fim, a vida e a  morte, sendo assim, está presente no Borí e no Axexê.
  • O peixe representa as potencialidades, pois a imensidão do oceano é a sua casa e a liberdade do seu próprio caminho.
  • As comidas brancas, principalmente os grãos, evocam fertilidade e fartura.
  • Flores, que guardam a germinação, e frutas, produtos da flores germinadas, simbolizam a fartura e a riqueza.
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  • O pombo branco é o maior símbolo do poder criador, portanto não pode faltar. É considerado o animal mais puro da natureza, o que o coloca em posição privilegiada no ritual de iniciação.
  • A noz cola, isto é, o Obí, é sempre o primeiro alimento oferecido a Orí. É a boa semente que se planta e se espera que dê bons frutos.
Todos os elementos que constituem a oferenda à cabeça, exprimem desejos comuns a todas as pessoas: paz, tranquilidade, saúde, prosperidade, riqueza, boa sorte, amor, longevidade e tudo de bom que uma pessoa possa ter para seguir prazerosamente sua vida na Terra. Mas, cabe ao Orí de cada um eleger as prioridades e, uma vez cultuado como deve ser, proporcionará aos seus filhos cada um desses elementos e muito mais. 
O culto a Orí é fundamental, pois, além de ser a única forma de cultuar, alimentar e tratar nossa alma, que é a causa de todas a nossa existência e razão, já que é na sua transcendência que reside o sentido último de tudo, também é tratando o Orí que podemos chegar à saudável conclusão de nosso destino e missão. E, até mesmo para mudar o nosso destino, é inevitável tratar de Orí. Pois mesmo como nosso 'contrato de destino' já fechado, o Awó (culto) nos diz que é possível através de Kadará, oportunidade e propiciação, mudar o nosso destino, e deixa-lo mais ao nosso gosto, e isso é absolutamente legal no que tange à espiritualidade, pois faz parte das Leis Divinas que regem o Universo e o Destino. As oportunidades podem ser verdadeiramente aproveitadas, somente mediante a Orientação Divina do Oráculo, que pode nos conduzir no aproveitamento do todas as oportunidades sem que nos traga prejuízo. Pois a nossa liberdade de ação, mais conhecida pelo termo criado por Santo Agostinho: Livre Arbítrio, somente não nos prejudica quando estamos sob orientação divina, caso contrário, nosso ego nos conduz sempre a Descaminhos de nosso destino, e assim ao prejuízo e ao sofrimento. Desta forma, é somente com o Oráculo que se pode tomar conhecimento dessas oportunidades que são verdadeiras encruzilhadas em nosso destino, e que se bem aproveitadas, podem mudá-lo por completo. Quem não se lembra de uma oportunidade em sua vida? E, com certeza, lembra-se com a tristeza de não a ter aproveitado... ou porque não notou, ou porque não  soube aproveitá-la. Kadarà é relativa à propiciação, pois  podemos através de Tratamento Espiritual adequado: através de Ebós, e sobretudo, do Borí, propiciar um Caminho em nossa vida. Pode-se nesse caso não somente mudar a sorte em relação a uma situação emergencial e conseguir o desejo desejado. Como se pode 'semear' para depois 'colher' uma determinada situação em nossa vida. E tudo isso passa sem dúvida, por Orí!
Existem vários tipos de Borí, e cada um deles para um fim específico. Somente Sacerdotes do Culto bem formados, com o seu ciclo básico de sete anos, a partir da Iniciação, tendo após a maioridade no Culto, feito as devidas obrigações litúrgicas e o treinamento espiritual e religioso exigido pelo Culto, podem efetuar qualquer Borí, mesmo o mais simples. Como viram, Orí é coisa muito séria,  e quanto menos pessoas colocarem a mão em seu Orí, tanto melhor, pois Orí é o bem mais precioso que uma pessoa possui, não deve ser confiado a todos indiscriminadamente.
O Borí se divide, a princípio, em dois tipos: Borí para restauração e Borí tratamento de Orí, e este pode ser feito até para quem não pertence ao culto, pois não cria vínculo nenhum com a religião, é tão somente um tratamento espiritual. Se subdivide ainda em outros, dependendo da necessidade.

  • Borí Omi Tutú ( Borí de Água Fresca)= é o mais simples, utiliza-se sobretudo de um Obi Tatá (obí de quatro gomos), que é o principal alimento de Orí e simboliza-o. Além do Obí, água fresca, vela e alguns outros pequenos segredos. Este Borí é realizado para as pessoas que estão com a 'cabeça quente', ou seja, com o Orí alterado, o que pode causar fortes dores de cabeça que não são curadas sequer com medicamentos; irritação e agressividade; descontrole emocional, estresse, ou ainda desgaste físico e emocional, falta de memória, de concentração, etc. O Orí alterado pode ainda prejudicar os caminhos, causando desencontros, falhas, inúmeras adversidades, incapacidade em atingir objetivos e muita perturbação. Em todas as situações, aliás, geralmente é a própria pessoa que, sem querer traz toda esta perturbação. O Borí Omi Tutú refresca o Orí, renovando as forças mentais, físicas e psicológicas, normalizando o ritmo, refrescando todas as situações e propiciando o sucesso em cada uma delas.
  • Boríejá (Borí de Peixe)= Este é o famoso Borí de saúde. Utiliza-se dos mesmos u=ingredientes e segredos do Borí anterior, mas leva ainda comidas especiais ao Orí e, como o próprio nome indica, o peixe. É muito utilizado quando a saúde não está bem e a vitalidade não pode garantir o seu estabelecimento. Assim, as pessoas muito idosas e muito abatidas podem renovar sua saúde e vitalidade, ou as que tem doenças muito graves ou enfermidades que não se curam podem recorrer a este instrumento para renovar a força e a vitalidade de seu Orí, renovando a saúde física e mental. Contudo, o Boríejá não é indicado somente para a saúde, mas é também um grande fortalecimento de Orí, podendo ajudar também nos caminhos.
  • Boríaxé (Borí de Força)= Este Borí é indicado somente para as pessoas que não se incomodam e compreendem a necessidade do sacrifício animal. E é o mais forte de todos os Boris, pois utiliza-se dos ingredientes e segredos de todos os outros citados, mais alguns segredos e o Axé do Ejé ( sangue) dos animais. Este tipo de Borí não pode ser feito com pessoas enfermas, por isso o Boríejá é a sua substituição nesses casos. Este Borí é a última instância no que tange ao Orí, e o que não puder ser conquistado ou mudado por meio desse ritual, provavelmente não poderá se conquistado em ritual algum.

Além destes Boris de Tratamento, existem os Boris de Iniciação, que se prestam somente às pessoas que ingressam no culto, pois são rituais para assentamento de Orí ( a alma) para otimizar a sua transcendência, enfim, para aqueles que desejam transcender, ainda nesta vida, o ciclo de reencarnações e residir definitivamente no Orum Rere (paraíso) junto a Olorum (Deus). Também é para fortalecer a ação do Orixá (anjo da guarda) do iniciado, pois a força do Orixá depende de quanto o Orí daquela pessoa lhe permite atuar, e para as pessoas do culto, pois é importante poder contar com toda a força, orientação e proteção do Orixá, por isso, deve-se antes de assentá-lo, propiciar o Orí, até mesmo para se obter toda a força para o assentamento de seu Orixá. É necessário que o Orí esteja forte para poder  receber e suportar toda força que o Orixá enviará até o devoto no momento do Oró (ritual). Esses rituais de Culto ao Orí são mais secretos, e somente são revelados aos iniciados no devido momento.
Enfim o ritual do Borí, é a única forma de se tratar de nosso Orí - a Alma. É um eficaz método de conduzir o nosso destino com saúde, vitalidade, muita energia e sucesso. É mais uma ferramenta disponível para o bem estar do homem, devoto e ético.
Axé a todos, longevidade e caminhos prósperos. Obrigado.
                   


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