Culto ao Tambor de Mina

Culto ao Tambor de Mina
Matinjalo meus amigos, irmãos e meus mais velhos. Me chamo Pai Jean de Xapanã e fui iniciado na Nação Mina-Jeje-Nago por Toy Voduno Francelino de Shapanan em São Paulo. Fui novice, fui vodunsi, fui vodunsirê e hoje sou Agunjai, um dos postos mais importantes dentro do Jeje ainda recebido das mãos de meu Pai. Tive a honra de ter sido o último barco de Agunjai dado por meu Pai. A última rama de Tobossi que saiu da casa de Toya Jarina. Uma grande honra poder completar essa obrigação pois, temos conhecimento que a última rama de Tobossi na casa de meu Pai, foi feita há 14 anos e, na casa de meu avó, há muito mais tempo. Em Salvador, nas casas Jeje, temos conhecimento que essa obrigação não era dada há mais de 25 anos. Isto prova a capacidade e a cultura de Pai Francelino e a casa das Minas de Toya Jarina. Dentro do Culto Jeje, sou Toy Azondelo. Tive a honra de ser o primeiro e o último Xapanan feito por meu Pai, honra essa me orgulha muito pois, um dia recebi as bençãos e a graça de Toya Jarina, pedindo para que eu fosse feito. Tive como madrinha Mãe Toya Mariana, a bela turca de Alexandria. Assim, ingressei para a família de Lego Shapanan, tornando-me filho de Francelino de Shapanan (que tinha como nome africano - Toy Akosakpata Azondeji), filho de Jorge Itaci de Oliveira ( Voduno Abê-Ka Dan Manjá), meu avô, que era filho de Maria Pia dos Santos ( Iraê Akou Vonukó). E, como tetravó, Basília Sofia ( Massionokom Alapong) que veio da África para o Brasil, da Nação Fanti-Ashanti e que aqui fundou o Ylê Axé Niamê, conhecido como Terreiro do Egito, tocando Mina Jeje-Nagô. Hoje digo a vocês: Manter a árvore genealógica, é mostrar para os outros onde nascemos, viemos e para onde vamos. Mostrando nossa identidade no Santo, é provar que temos um ancestral vivo e presente na nossa vida. Hoje ficamos muito tristes quando conversamos com pessoas da religião que não sabem sua identidade, sua ancestralidade. Se perdermos nossa identidade é como se tivéssemos perdido o nosso nome. E lembrem-se: preservar a ancestralidade é manter a tradição.Sou dirigente da Casa de Toy Lego Xapanã em Manaus. E, espero que meu Vodum abençoe todos nos dando Adoji aos nossos Oris. AXÉ AXÉ AXÉ

quarta-feira, 29 de novembro de 2017

Candomblés de Nação


A organização dos grupos Yorubás no Brasil coincide com o período em que a urbanização se acelera em cidades como Salvador, Rio de Janeiro, Recife e São Luís. Foi também nesse período que os movimentos abolicionistas ficaram cada vez mais fortes. No início do séc. XIX já era possível adquirir alforrias, comprando ou ganhando dos senhores e das senhoras de escravos.

Nesse contexto, intensificaram-se as participações de escravos urbanos e ex-escravos alforriados nas confrarias religiosas. Eram irmandades católicas que funcionavam sob a autorização da Igreja Católica e que permitiam a reunião de negros e negras para fins religiosos católicos.. Porém, a incorporação de elementos das crenças populares foi naturalmente ocorrendo. Foram dessas irmandades que sugiram muitas tradições culturais e religiosas tipicamente brasileiras como o Congado, o Maracatu e o Candomblé. Essas irmandades se organizavam de acordo com as etnias, como aponta Pierre Verger:



"Os pretos de Angola formavam a Venerável Ordem Terceira do Rosário de Nossa Senhora das Portas do Carmo. Os Dahomeanos (Jeje) reuniam-se sob a devoção de Nosso Senhor do Bom Jesus das Necessidades e Redenção dos Homens Pretos. Os Nagôs, cujo a maioria pertencia à Nação Ketu, formavam duas irmandades: uma de mulheres, a de Nossa Senhora da Boa Morte; outra reservada aos homens, a de Nosso Senhor dos Martírios".





O candomblé nasce no seio das irmandades que se reuniam em Salvador, próximas à Igreja de Nossa Senhora da Barroquinha. É necessário esclarecer que os Jejes e os Nagôs são dois grupos distintos, mas com tradições semelhantes. Os primeiros, trazem tradições dos Fon, Ewé, Mina e outros, da Religião do antigo Dahomé. Os Nagôs ou Yorubá trazem tradições de Ketu, Oyó, Osogbo e outras, atual Nigéria. Como vieram depois dos Bantu, em um contexto mais urbano e menos opressor, foi possível que se organizassem e se unissem mais rapidamente, para praticar as tradições. Por serem os primeiros a chegar como escravos, ainda no séc. XVI (a partir de 1530), os Bantu enfrentaram uma opressão mais intensa, espalhados pelos sertões e fazendas brasileiras, causando um sincretismo mais profundo com os indígenas e com as tradições católicas.

Entre o séc. XVI e XVIII, o Império de Oyó foi dominante no centro-oeste africano, inclusive como fornecedor de escravos aos portugueses. Um de seus principais inimigos eram os Haussá, povos islâmicos do norte africano e, em determinado momento no início do séc. XVIII, o Império de Oyó passou a ser fortemente atacado por esses mesmos povos. Com isso, os milhares de yorubás de Oyó, Ketu, Osogbo, Nirê, Ifé, entre outras cidades, foram vendidos aos portugueses, se tornando conhecidos aqui no Brasil como Nagô. Já no início do séc. XIC, metade da população negra de Salvador era yorubá. E foram esses, reunidos e organizados em torno da Irmandade de Nossa Senhora da Boa Morte, que fundaram o primeiro terreiro de Candomblé, conhecido hoje como Casa Branca de Engenho Velho. Foi fundado como Ilê Asé Iyá Nassô Oká.

Há controvérsias sobre os inúmeros fatos que envolvem a criação desse primeiro terreiro. Paulo César Coutinho, que escreveu a Minissérie Mãe de Santo, exibida na rede Manchete, em 1990, apresenta uma das versões em que, três princesa chegaram ao Brasil como escravas, os membros da Irmandade que trabalhavam nas ruas de Salvador juntaram dinheiro para comprar a liberdade delas. Viam na liberdade  daquelas princesas a possibilidade de dar continuidade à tradição ancestral africana, uma vez que sua linhagem real trazia a dos próprios Orixás. Um Babalawô, de nome Bangbosé, consultou Ifá e transmitiu a ordem de Xangô e Oxóssi para que se criasse a Casa de Candomblé, nomeando uma das princesas como Yalorixá. Elas eram: Iyá Akalá, Iyalodê e Obá Tossi. 

Os Orixás ordenaram que a Nação fosse de Oxóssi, e que a Casa seria de Xangô, com Iyalodê sendo a Iyalorixá regente. Em seu reino, ela detinha o mais alto cargo do culto a Xangô em Oyó. Isso explica a força e ênfase do culto a Xangô, o grande Obá, dentro do Candomblé Ketu.

Renato da Silveira, historiador e pesquisador das origens da religião, descreve assim a fundação do terriro: "Primeiramente, por volta  de 1790, teria sido fundado por membros da família Arô - uma das cinco famílias reais do reino de Ketu -  o Culto a Odé (um tipo de Oxóssi). Datam dessa época os ataques a Ketu e a chegada na Bahia das princesas gêmeas da família Arô, capturadas e vendidas por dahomeanos com apenas nove anos. O culto funcionava numa residência na Rua da Lamam atrás da Igreja da Barroquinha, onde hoje fica a Rua Visconde de Itaparica, tendo à frente a africana Iyá Adetá. Depois dela veio a africana Iyá Akalá, introduzindo o culto a Aiyrá - um tipo de Xangô que se veste todo de branco. Possivelmente nessa época se deu a saída dos Arô, que foram para o bairro de Luís Anselmo e fundaram o candomblé de Alaketu, conduzido nas últimas décadas pela Iyalorixá Olga do Alaketu. Os resquícios desses primeiros tempos ainda estão vivos: no Terreiro da Casa Branca, a festa de Xangô é chamada pelos filhos de santo de ' Festa de aiyrá' e, também nesse terreiro e em herdeiros de sua tradição, a saudação a Oxóssi ainda relembra os pioneiros: Okê Odé, Okê Arô". 

Pierre Verger, em seu livro Orixás, aponta outra versão. Segundo ele, Iyá Nassô e Obá Tossi, eram provavelmente primas e, depois de libertas aqui no Brasil, retornaram à África. Quando voltaram ao Brasil, já com a missão de organizar o culto aos Orixás aqui, Marcelina Obatossi trouxe consigo uma neta, Claudiana, que depois se tornou  Mãe Senhora. Assim temos a primeira linhagem de Iyalorixás de Nação Ketu. Iyá Nassô como primeira e Obá Tossi, que herda desta o título. Com a morte de Obá Tossi, Iyalodê assume o posto de Iyalorixá do Ilê Asé Iyá Nassô Oká em Salvador. Deste episódio, e das insatisfações que causou, surgiram outros dois terreiros. O primeiro, Iyá Omi Asé Iyamasê, no alto do Gantois, com Maria da Conceição Nazaré, de Xangô. O segundo foi o Centro Cruz Santa do Axé do Opô Afonjá, com Mãe Aninha - Obá Biyi à frente, também de
Xangô, em 1910. Iyá Adetá Okanlandê é citada por Verger como uma das mais importantes na fundação do Ilê Axé de Gantois.

Em 1938, aponta Verger, Tia Babá Olufandeí, sucedeu Aninha Obá Biyi e, em 1941, Mãe Senhora se torna Iyalorixá.

Em 1967, Maria Stella de Azevedo, Odé Kayodê, assume o posto herdado de Mãe Senhora do Axé Opô Afonjá. Daí por diante, outros terreiros foram surgindo em continuidade ao Candomblé de Nação Ketu.

Podemos citar o Ilê Orixalá Funfun, em Guarulhos, São Paulo, com Idérito do Nascimento Corral, filho de santo de Menininha do Gantois. No Rio de Janeiro, foi fundado outro Axé Opô Afonjá por Mãe Aninha; em Miguel Couto, Nitinha de Oxum funda o terreiro de Nossa Senhora das Candeias. E muitos nomes adquirem grande prestígio, como Olga Francisca Régis, Oyafunmi de Matutu, Procópio Xavier de Souza, Ogum Jobi, também de Matutu, entre outros.

A organização do culto, dos ritos e das tradições nos Candomblés, se deu sob um processo complexo. As invasões sofridas na África pelos povos do norte obrigou que o próprio território yorubá se transferisse mais para o sul, e foi necessário reorganizar toda a sociedade, inclusive o culto aos Orixás, por causa da desestruturação causada pelas invasões. Nesse processo de reorganização, a realeza, sabendo que já se formava uma organização yorubá no Brasil, auxilia o estabelecimento e a organização do culto aos Orixás. Iyá Nassô surge então como  a personagem principal nessa reorganização. A constituição dessa sociedade civil yorubá no Brasil, com cargos e hierarquia como na África, reproduz a mesma dos países e cidades yorubás. Hoje nos terreiros, ainda é possível se perceber a prática dessa hierarquia, como se sentar abaixo do Babalorixá ou Iyalorixá, não comer antes destes, não olhar nos olhos, entre outros.

Já as Casas de Jeje, tiveram sua origem com Ludovina Pessoa, que seguiu um processo parecido com o Candomblé de Ketu, porém sem uma participação ou influência direta da realeza africana. Mas, da mesma forma, criou-se um panteão de Voduns que são basicamente os da Mitologia Ewé e Fon, assim como a hierarquia com cargos.

Os Candomblés de Angola tiveram um processo diferenciado por já existirem sob outras formas de culto, na maioria sincretizados como os Calundus, Catimbós, Jurema Sagrada, Cachimbada e outros. É difícil estabelecer um inicío na formação do Culto Bantu como foi com o Ketu e o Jeje. Isso porque os Bantu são mais antigos e mais sincretizados. O fato de a maioria dos quilombos serem Bantu não permite uma constatação de grau e número, nem mesmo a data exata do início dos cultos.

No Sudeste do Brasil, especialmente no Rio de Janeiro, há o Omolokô, uma forma de culto que preserva muito das tradições, tanto Bantu quanto Yorubá, e se assemelha aos Candomblés. Segundo relatos da Mãe de Santo Lea Maria Fonseca da Costa e do Pai de Santo Tancredo da Silva Pinto, a origem do nome Omolokô pode também estar ligada ao povo Loko que era governado pelo rei Farma, no Sertão de Serra Leoa. Ele foi o rei mais poderoso entre todos os Malês. Sua cidade chamava-se "Lokoja"  e localizava-se à margem do Rio Mitombo, afluente do Rio Benue, que por  sua vez é afluente do grande Rio Níger. Segundo Lea Maria Fonseca da Costa, "Omo' significa 'filho' e 'Loko' refere-se à árvore Iroko, gerando algo como "Filhos da Gameleira Branca". A versão de Tancredo da Silva Pinto, Tata Ti Nkisi (pai de santo de angola), diz: "Omo" - Filho e "Oko" - fazenda,  referindo-se ao local do culto.

Ao mesmo tempo em que se preserva atos, cantigas e ritos essencialmente africanos, o Omolokô também pratica certo sincretismo, podendo ser confundido com a Umbanda.

Porém, as tradições africanas prevaleceram sobre o sincretismo cristão, ao contrário da Umbanda. Mas, como ocorre com qualquer manifestação religiosa africana, a preservação de elementos de outras tradições faz parte do culto aos Orixás no Omolokô. Por causa dessa característica, criou-se o termo Umbandomblé para classificar tal culto, que é equivocado, pois o Omolokô tem sua organização semelhante ao Candomblè de Nação, porém, integra cultos a Caboclos,  Pretos Velhos e outras entidades, comuns na Umbanda.

As semelhanças entre as Nações são muitas no que diz respeito à organização, essência, moral e ética. O que muda são os nomes, as rezas, as cantigas, os ritos e os preceitos. Por exemplo, Minkisi são as entidades Bantu, os Orixás são yorubás e os  Voduns são Jeje.

A partir do surgimento das Casas de Candomblé passaram a surgir os Axés. Um Axé pode ser considerado uma filial da Nação. Os filhos e filhas de Santo das primeiras casas que foram se tornando sacerdotes, passaram a fundar outras casas e era comum que integrassem ou excluíssem alguns rituais, rezas, atos e preceitos que se diferenciavam daquilo que era estabelecido em outra casa irmã. Duas casas podem ser de tradição Ketu, mas praticarem o culto e os rituais com algumas diferenças.

Atualmente essas diferenciações acabaram criando divergências e conflitos entre sacerdotes pelo fato de um determinado Axé julgar o que o outro faz inadequado, questões complexas que envolvem muitos fatores e não cabe a mim me aprofundar neste assunto nesse momento.


 

Obrigado pela leitura. Grande axé a todos.

segunda-feira, 27 de novembro de 2017

Obì - A Fruta Sagrada

Olódùmarè chama seus filhos para regressarem ao seu lar, porém, nem mesmo a morte é capaz de apagar as lembranças dos feitos de grandes homens. O Obì, é muito importante no Culto dos Orisás. A Noz de Cola, o Obì, é o símbolo da oração no Orún. Foi Òrunmilá quem revelou como a Noz de Cola foi criada. Quando Olódumarè descobriu que as divindades estavam lutando umas contra as outras, antes de ficar claro que Èsú era o responsável por isso, Olódùmarè decidiu convidar as quatros mais moderadas divindades: Paz, Prosperidade, Concórdia e Aìyè, a única divindade feminina presente, para entrarem em acordo sobre a situação. Eles deliberaram longamente sobre o motivo de que os mais jovens não mais respeitarem os mais velhos, como ordenado pelo Deus Supremo. Todos começaram então a rezar pelo retorno da unanimidade e equilíbrio. Enquanto estavam rezando pela restauração da harmonia, Olódùmarè abriu a fechou sua mão direita apanhando o ar, em seguida, abriu e fechou sua mão esquerda, de novo apanhando o ar. Após isso, ele foi para fora mantendo suas mãos cerradas e plantou o conteúdo das duas mãos no chão, suas mãos haviam apanhado no ar as orações e Ele as plantou. No dia seguinte, uma árvore havia crescido no lugar onde Olódùmarè havia plantado as orações que Ele apanhou no ar. Ela rapidamente cresceu, floresceu e deu frutos. Quando as frutas amadureceram para colheita, começaram a cair no solo. Aiyê pegou-as e as levou para Olódùmarè, que lhes disse para que fosse preparar as frutas do jeito que mais lhe agradasse. Ela tostou as frutas e estas mudaram sua textura, o que as deixou com gosto ruim. No outro dia, ela pegou mais frutas e as cozinhou, mudaram de cor e não podiam ser comidas. Enquanto isso, outros foram fazendo tentativas, mas no entanto, todas foram mal sucedidas. Foram então até Olódùmarè para falar que a missão de descobrir como preparar as nozes era impraticável,.Quando ninguém sabia o que fazer, Elénìnìí, a divindade do obstáculo, se ofereceu como voluntária para guardar as frutas. Todas as frutas colhidas foram então dadas a ela. Elènìnìí então, partiu a cápsula, limpou e lavou as nozes e as guardou com as folhas para que ficassem frescas por quatorze dias. Depois, ela começou a comer as nozes cruas. Ela esperou mais quatorze dias e depois disso, percebeu que as nozes estavam vigorosas e frescas. Após isso, ela levou as frutas para Olódùmarè e pronunciou a todos que a fruta das preces (Obì), podia ser ingerido cru, sem nenhum perigo.
Olódùmarè então estabeleceu que, já que tinha sido Elènìnìí, a mais velha divindade em Sua Casa, quem conseguiu descodificar o segredo do produto das orações, as nozes deveriam ser dali por diante, não somente um alimento do céu, mas também onde fossem apresentadas, deveriam ser sempre oferecidas primeiro aos mais velhos do grupo e seu consumo deveria ser sempre precedido por preces. Olódùmarè ao mesmo tempo proclamou que como um símbolo da prece, a árvore somente cresceria em lugares onde as pessoas respeitassem os mais velhos.
Naquela reunião do Conselho Divino, a primeira nos de cola foi partida pelo próprio Olódùmarè e tinha duas partes. Ele pegou uma e deu a outra para Elènìnìí, a mais antiga divindade presente. A próxima noz de cola tinha três partes, as quais representavam as três divindades masculinas que proferiram as orações que fizeram a árvore da noz de cola existir. A próxima noz tinha quatro partes e incluíam assim Aiyê, a única mulher que estava presenta na cerimônia. A próxima noz tinha cinco partes e incluiu Òrìsàlá.  A próxima noz tinha seis partes representando a harmonia, o desejo das orações divinas. A noz de cola com seis partes foi então dividida e distribuída entre todos no Conselho. Aiyê então levou a noz de cola para a Terra, onde sua presença é marcada por preces e ela só germina e floresce em comunidades onde existe respeito pelos mais velhos, pelos ancestrais e pela tradição.
A árvore de noz de cola, é cultivada pelo mundo inteiro, mais teve sua origem nas terras Africanas. Chega a alcançar mais de 25m de altura e seu uso comercial e medicinal é bastante explorado por várias empresas no ramo alimentício e de bebidas. Sendo um dos ingredientes do refrigerante Coca-Cola, seu uso não se limita apenas em alimento, possui utilidades anti-inflamatórias, redução de apetite, enjoos, enxaquecas e indisposição, entre outras propriedades como óleos de fragâncias.
Nas religiões de matrizes africanas, seu uso é amplamente utilizado em toda e qualquer obrigação ou oferenda que possa ser feita para o sagrado. Desde a iniciação de um Yaô até sua partida para o Orún.

Axé a todos.

sábado, 25 de novembro de 2017

Imole Esu - O Mensageiro Satanizado

Orunmilá tornou-se o Arauto de Olorun para a ligação dos dois mundos: Orun /Além e Ayê / Terra. Retornando ao Odé Ayê com os outros 15 Imole, Orunmilá começou a procurar pelo "décimo sétimo" que deveria ser convidado a morar com eles.
Depois de muitas tentativas infrutíferas, decidiram que uma poderosa Aje / Senhora do Feitiço - A Ebora Osum - deveria conceber um filho de Oso / O Senhor do Poder Mágico, filho esse que receberia, ainda no ventre materno, o Axé / Força Mágica de todos os Imole, por imposição conjunta de suas mãos, o transformasse no Mensageiro por excelência das oferendas dos Imole e se acabassem as desgraças sobre a Terra.
Assim foi gerado o Filho do Feitiço com o Poder Mágico, que recebeu o nome  de Osetuwa, e este novo Orixá gerado, passou a tentar cumprir o seu dever de mensageiro, mas sem obter absolutamente nenhum sucesso. Até que um dia, em aflição, lembrou-se de procurar o quase desconhecido Imole Exu Odara / Exu da Felicidade, para pedir-lhe conselhos e ajuda.
E Osetuwa dirigiu-se a Exu Odara e  pediu-lhe ajuda para levar suas Oferendas dos Imole a Olorun. E Exu Odara respondeu a Osetuwa: "Como? Jamais pensei que você viesse me avisar antes de partir! Por este seu gesto, hoje o Orun lhe abrirá as portas". E, então, Osetuwa e Exu Odara, puseram-se a caminho e partiram em direção aos portões de Orun. Quando lá chegaram, as portas já se encontravam abertas.
Osetuwa então pôde entregar as oferendas dos Imole a Olorun e Este, aceitando-as por virem de Imole Esu, deu a Osetuwa "todas as coisas necessárias à sobrevivência do Mundo". Osetuwa voltou ao Aiyê ( mundo material) e tudo frutificou. Tão gratos lhe ficaram os Imole que o cobriram de presentes e o celebraram como o único dentre eles que conseguira levar as oferendas ao Orún. Mas, Osetuwa, com humildade, levou todos os presentes que recebera e deu-os todos a Exu Odara.
Quando os deu a Exu, ele lhe disse: "Como? Há tanto tempo eu entrego os sacrifícios e nunca houve ninguém para retribuir-me a gentileza! Você, Osetuwa, todos os sacrifícios que eles fizerem sobre a Terra, se não os entregarem primeiro a você para que você possa trazer a mim, farei com que as oferendas não sejam aceitas". E foi assim que Osetuwa tornou-se um poderoso Akin Oso - Manipulador do Poder, duplamente por seu nascimento e pela confirmação de Imole Esú Odara, por ter mostrado a todos os Imole que Exu era realmente o Osije - Mensageiro Divino e que também tinha o poder de aceitar ou recusar os sacrifícios rituais, porque era o verdadeiro Eleru - Senhor da Obrigação Ritual.
A partir de então, os 600 Imole decidiram dar ao Imole Exu um "pedaço de suas próprias bocas" para que ele pudesse falar por todos quando fosse perante Olorun, pois era patente que ele era o outro Imole, além de Orumilá, que podia apresentar-se perante Ele. Imole Esu, muito sabiamente, uniu todos esses pedaços em sua própria boca e assim tornou-se o Enu Gbarijo - Boca Coletiva de todos os Imole.
Desde então, como retribuição de Exu aos outros Imole, cada um desses possui ao seu lado o seu Esú Okoto  - Caracol, o Mais Um a quem ambos delegam os seus poderes. Desta forma, por delegação espontânea de todos os Imole, Exu tornou-se também o Elegbará - Senhor do Poder Mágico. E como toda a Criação é também regida pelos Imole, todo Ser vivente no Aiyê, assim como possui o seu Olori, ou seja, o seu Orixá ou a sua Eborá, que são o senhor ou a Senhora de seu Ori (cabeça), também tem de ter o  seu Exú Bará - Exu do Corpo. 
Isso explica muitas coisas que são atribuídas a Exú nos cultos afro brasileiros, pois ele é responsável pela natural atividade sexual, que é um atributo do corpo, pois sem essa atividade, não há procriação, que é a multiplicação e abundância, quer seja vegetal, animal ou humana. E, para isso, Imole Esú, sendo o Elegbará e o Bará, recebeu de Olorun os símbolos dessa ação dinamizadora e frutificadora: O Ado Iran, Cabaça arredondada, de longo pescoço, recipiente de poder mágico que contém inesgotável Axé - Força Mágica, bastando ser apontada a um objetivo para emanar e propagar esse poder mágico: gorro tradicional de ponta alongada e caída, terminada na forma da grande peniana humana. Daí ser o pênis humano, em ereção, uma de suas mais populares e ancestrais representações. E este foi, como já se conhece da história, um dos aspectos de Imole Esú, que mais escandalizou os missionários de outras religiões, que então dispararam contra ele todas as suas "armas". Porém, nunca atentaram para o fato que em nenhum dos milhares de versos de contos de Ifá, Imole Esú jamais assume a função de procriador. E mais, suas diversas formas têm por origem a divisão do seu próprio Ser em milhares de partes pela espada de Orunmilá.
Mas Imole Esú tinha outra função que despertou o interesse dos catequistas das novas religiões, que nela viram a oportunidade otimizada para a destruição de sua importância entre os Iorubás: a função de Executor Divino. Como Imole Esú é o Mensageiro Divino e o Senhor do Carrego Ritual prescrito por Orunmilá - Ifá, ele é também o L'Onan - Senhor dos Caminhos, tanto dos benefícios (Ona Rere), quanto dos malefícios (Ona Buruku), abrindo ou fechando conforme os sacrifícios prescritos aos fiéis forem ou não cumpridos.
Por isso, ele é também o Ol'obe - Senhor da Faca, significando ser o Executor dos Sacrifícios, mas também, no sentido ritualístico, "Aquele que tem o poder da vida e morte". À Obè (faca), Imole Esu junta ainda a sua Opá (bolsa), na qual carrega os seus objetos ritualísticos mágicos, entre eles os "fragmentos de cabaças", símbolo do Ser destruído, mas, por sua vez, destruidor. Talvez um dos seus emblemas mais temidos e somente manipulado por seus El' Seu, ou seja, pelos Sacerdotes do Imole Esu. Por tudo isso, está sempre " do lado de fora", nos "caminhos", onde tem seu lugar predileto, a Orità Meta - Encruzilhada de Três Caminhos, onde ele aceita, carrega, transporta e premia, mas também de onde vigia, adverte, recusa e pune. Foi então que os primeiros catequistas de outras religiões passaram a pregar que todas as desgraças acontecidas aos fiéis dos Orixás Iorubas, merecidas ou não, derivavam da ação nefasta e indiscriminada de Imole Esu, o qual apenas faria o mal pelo mal.
Por sua vez, os Iorubas escravizados viram nesta interpretação equivocada de Executor por Malfeitor, uma nova arma para se defenderem, e passaram a ameaçar abertamente os seus inimigos com as artes punitivas do Imole Esu, que assim começou a transformar-se em "Exu"  e a sincretizar-se, nas mentes mais fracas, com a figura do "diabo" medieval católico. Daí a ele começar a ser representado e apresentado como um Ser tenebroso e mau, foi apenas a mesma "descida da ladeira" por onde escorregaram os sincrético cultos afro-brasileiros.
Mas, na realidade, no Credo Iorubá Imole Esu é o símbolo não da subtração, mas da restituição que os humanos devem fazer através de oferendas daquelas coisas que eram necessárias à sobrevivência do Mundo e que Olorun deu aos Imole Osetuwa e Esu para salvá-la, e não para destruí-la. E é na execução das oferendas com esta intenção, que só Esú Elebo - Senhor das Oferendas é capaz de tornar aceitável a Olorun, que está a "chave" que permite ao fiel alcançar seu objetivo. E se conseguir alcançar seu objetivo, naturalmente obterá também a satisfação (Alafia) de seus anseios maiores. Assim, deve agradecer também a Esú Aláfia - Senhor da Satisfação Pessoal.
É sobretudo sob as múltiplas variantes de Bará, Esú Gbarijo, Elebo e Aláfia que o Orixá Orunmilá se utiliza do Imole Esú para poder atuar como o Arauto dos Orixás sobre os destinos humanos do jogo Divinatório de Ifá, quer através do Opon e do Opelè, quer através dos Búzios.
Por isso mesmo, os Odus sempre aconselham a Pa Esú, ou seja, a apaziguar o Imole Esú, e não a tentar subordiná-lo para ter um "malfeitor" às ordens. Ele é o Princípio Restaurador do Equilíbrio no Credo Iorubá, daí suas representações pouco conhecidas. Fpra sua representação fálica, ora "fumando cachimbo" simbolizando a absorção e a ingestão, ora "tocando flauta", simbolizando a doação e a restituição.
E assim, os Orisirisi Esú contam como ele distribui generosamente crescimento e honras "vomitando-os" após ter ingerido todo tipo de alimentos e bebidas rituais das oferendas, e como há um determinado elemento - o fumo de rolo picado - que infalivelmente provoca essa inusitada transformação, multiplicação e restituição.
Tudo isso ele assim faz em troca de somente três coisas: a coragem do fiel em tentar cumprir seu próprio destino; respeito do fiel aos fundamentos de tradição dos Orixás e a oferta de seu Ebó / Oferenda específico que lhe é destinada em ritual próprio, o Ipadê, cujo literal significado é justamente "ato de reunião de apaziguamento", e não para pedidos de destruição e vinganças aleatórias, como pensam aqueles que, na verdade, não conhecem a essência do Senhor Imole Esú, por que se esqueceram ou não conhecem as suas raízes espirituais ancestrais, ou, pior ainda, as renegam.
Dito isso ( e mais haveria ainda a dizer), eis porque tão poderosa divindade sempre foi e ainda é cultuada e servida antes até que servidos s cultuados sejam os Orixás, em qualquer situação e lugar. Remarquemos a mais que, especificamente no Ebó de seu Ipadê, Imole Esú não recebe sangue animal e sim seu sucedâneo transmutado - O Epô - Azeite de Dendê.
Uso e costumes ancestrais de outros povos, legítimos e fundamentados à sua época, podem muito bem serem transmutados em novos tempos, como já acontecia mesmo na África, onde os Babalawôs tinham, a seu critério,  o poder de substituir os animais preceituados para oferenda por suas penas, escamas e couros, devendo o valor de mercado do animal a ofertar ser distribuído em esmolas entre os carentes de sua comunidade.
Por outro lado, a atuação de Imole Esú como Mensageiro dos Orixás para a entrega das Oferendas a Olorun dificilmente é compatível ou coerente com sua posterior identificação com o "Satã" pelos cristãos e muçulmanos. Tal tentativa de analogia só se explica por não se encontrar no credo Iorubá a ideia de "diabo" como em outras religiões não africanas. De fato, mesmo face à situação irregular dos suicidas no pensamento Iorubá, seres carentes de coragem em enfrentar seu próprio destino, os iorubanos jamais criaram a ideia grosseira de uma eterna punição; para eles, prêmio ou castigo eram provações a serem experimentadas aqui mesmo, nesta Terra, ou pela falta de retorno a ela.
Assim, a ideia de um Esú essencialmente trevoso e mau é uma contrafação sincrética com o "diabo" medieval católico, forçada e imposta pela escravidão e consequente perda de valores iniciatórios das religiões africanas no Brasil, mas que nunca existiu na África em tempo algum.
E, muito embora nas lendas populares Imole Esú passasse a ser conhecido como "manhoso", "trapaceiro" e notoriamente "encrenqueiro" se faz "apaziguado" por seu Ebó, a sua suposta imagem de malignidade decorre, na verdade, de ele ter o importante papel de Executor Divino, punindo aqueles que descuram as oferendas prescritas para eles, mas recompensando aqueles que as cumprem.
Entretanto, ele nada faz por conta própria, servindo fielmente a Olorun e ao Orixá Orunmilá-Ifá. Também os Orixás e as Eborás podem convocá-lo para se utilizar da variedade de punições postas sob seu comando. E isto porque, com imensa sabedoria, o credo Iorubano ancestral prega que Orixá algum pune diretamente seus "filhos", mesmo os transviados, os transgressores e os ofensores: isto é função de Imole Esú.
Os versos dos Contos de Ifá dizem que Imole Esú é também encarregado por Olorun para vigiar as ações de outras divindades no Aiyê (mundo material). E isto só pode se dar, dizem os fiéis, porque ele é notável e notoriamente equânime no seu papel de Executor Divino. É por tudo isso que todos os devotos de Orixás e Eborás se voltam para Orunmilá-Ifá em tempos de dificuldades buscando essa equanimidade e, a conselho dos Babalawôs, oferendam a Imole Esú e, por seu intermédio, a Olorun.
Para que os Babalawôs não se excedam nas prescrições dessas oferendas,  Imole Esú está sempre presente na Divinação Sagrada de Ifá como o décimo sétimo Ikin (coquinho de dendê), o Olori Ikin (senhor dos coquinhos de dendê consagrados), que leva a sua efígie gravada.
Por essa razão, este décimo sétimo Ikin é também chamado de Oduso (vigia dos Odús). Colocado no tabuleiro de Ifá em uma posição privilegiada quanto a do Babalawô, ele representa Esú Oduso, que é o vigia dos signos - resposta do Sistema Ifá - e, consequentemente, de suas verdadeiras interpretações pelos Babalawôs, pois todo o bom cumprimento do Iwò (destino do consulente) depende de se bem compreender a mensagem que Orunmilá quer transmitir ao consulente. Daí se compreender que a ligação do Imole Esú com o jogo do Ifá é inquestionável.
Imole Esú não é nem mal nem tenebroso, pelo contrário, frequenta o Orun (mundo espiritual), reporta-se diretamente a Olorun e dialoga com os Imoles e com os Onilés (antepassados). Ele também não é vingativo indiscriminadamente, mas é transformador divino, que trata com equanimidade divindades, ancestrais, Babalawôs e humanos por ordem de Olorun.
E nada executa por sua própria vontade, mas cumprindo fielmente as ordens de Olorun e os \ditames do Iwá (destino livremente escolhido por cada fiel) e, através de Orunmilá, cumpre também as ordens das divindades. E se ele é considerado trapaceiro e encrenqueiro, o é pelos culpados, porque ele é o fiscal de Olorun junto aos Orixás e, ainda, o vigia dos Babalawôs e do bom cumprimento das obrigações rituais e sacrificiais por cada fiel. E se ele pode até matar, como se pode ler em diversos Itan-Ifá, é também Ele quem representa a vida e sua dinamização/continuação por meio do legítimo e natural ato sexual que leva os humanos a procriarem.
Se assim é há milênios, a Imole Esú só é devida a coragem de cada fiel em tentar cumprir o seu destino livremente escolhido antes de nascer. A ele oferecemos a oferenda específica - o Ebó - de seu ritual Ipadê e nossa saudação:

"Agbá Esú! Mo ju bá! Ibà sè ò!


Eis aqui seus maiores 16 títulos e suas correspondentes qualidades, os quais sempre foram ligados aos 16 Odús / Fundamentos de Tradição dos Itan-Ifá / Contos de Ifá de Ilê Ifé / A cidade santa de Ifé:
  1. Esú Yangi - Senhor da Laterita Vermelha;
  2. Esú Agba - Senhor Ancestral;
  3. Esú Igba Keta - Senhor da Terceira Cabaça;
  4. Esú Okoto - Senhor do Caracol;
  5. Esú Oba Baba Esú - Pai de todos os Esus;
  6. Esú Odara -  Senhor da Felicidade;
  7. Esú Osije - Mensageiro Divino;
  8. Esú Eleru - Senhor das Obrigações Rituais;
  9. Esú Enu Gbarijo - Senhor da boca coletiva;
  10. Esú Elegbara - Senhor do Poder Mágico;
  11. Esú Bara - Senhor do Corpo;
  12. Esú L'Onan - Senhor dos Caminhos;
  13. Esú Ol'Obe - Senhor da Faca;
  14. Esú El'Ebó - Senhor das Oferendas;
  15. Esú Alafia - Senhor da Satisfação Pessoal;
  16. Esú Oduso - Vigia dos Odus.

Para finalizar, vou fazer um pequeno resumo sobre as oferendas a serem ofertadas a Exú.
A oferenda a Imole Esú é constituída de elementos materiais muito simples,  mas de profundo significado, ao contrário do que se vê "despachado" pelas esquinas de nossas cidades e que quase não guardam relação alguma com seu significado original.

Omi (água): A oferenda por excelência, que fertiliza, apazigua e vitaliza tanto o Além quanto a Terra, especialmente se for a Omi Ato ( água de chuva), a "água sêmen" do céu.

Epo (azeite de dendê): símbolo da dinâmica da realização, da descendência, relacionada com o Eje Pupo / o sangue vermelho ou essência do Vermelho dos elementos gerados.

Otin ( bebida destilada branca): Vinho de palmeira na África e cachaça no Brasil. Relacionada com o Eje Funfun / "sangue branco" ou essência do branco dos elementos geradores.

Iyefun (farinha): qualquer farinha, a qual o símbolo de Eje Dudu "sangue preto" ou essência do preto dos elementos gestantes e fecundos, quase sempre na forma do Akasa (bolinho de pasta branca de milho deixado de molho, ralado e cozido, envolto na folha especial Ewe Eko - bananeira).


Axé a todos.



quinta-feira, 23 de novembro de 2017

Igbá - A Cabaça Ritualística

A cabaça é um fruto vegetal com larga utilização no candomblé. É o fruto da cabaceira. Inteira, é denominada cabaça; cortada é cuia ou coité; e as maiores são denominadas cumbucas. Nos ritos do candomblé, sua utilização é ampla, tomando nomes diferentes de acordo com o seu uso, ou pela forma como é cortada. Os Yorubás, como todos os outros povos, aproveitavam as igbás como vasilhas para uso domésticos e ritualístico.

As cabaças, dependendo de seu uso, ou como são cortadas, recebem os seguintes nomes:

  • A cabaça inteira é denominada Àkèrègbè, mede de 30 a 50cm. Serve também como vasilha para líquidos;

  • A cortada em forma de cuia recebe o nome de Ìgbá; serve como assentamento de Orixá, e como uma panela onde se guardam os objetos sagrados dos Deuses e se faz o sacrifício;
  • A cortada em forma de prato é o Ìgbájé, ou seja, o recipiente para a comida;
  • A cortada acima do meio, forma uma vasilha com tampa, tomando o nome de Ìgbasé ou cuia do Axé, e é utilizada para colocar os símbolos do poder após a obrigação de sete anos de uma Iyawó como: tesoura, navalha, búzios, contas, folhas, etc., que permitirão à pessoa ter seu próprio candomblé;
  • Ado, são cabaças minúsculas e são colocadas no Sàsàrà de Omulu, como depósitos de seus remédios. Também serve para colocar pós. São as que vemos nas roupas e acessórios de Exu, Osaniyn e Obaluaiye.
  • No Ógó de Esù (representação do falo masculino), as cabaças representam os testículos;
  • Usa-se também uma das partes da cabaça cortada ao meio e colocada na cabeça das pessoas a serem iniciadas e que não podem ser raspadas por serem Ábíkús, para nela serem feitas as obrigações necessárias.
  • Cortando a cabaça no seu comprimento, torna-se uma vasilha com cabo, chamada de cuia do Ípadé e serve para colher o material de oferecimento ou para colher as águas do banho de folhas maceradas.
  • Inteira e revestida de uma rede de malha será o Agbè, instrumento musical usado pelos Ogans durantes os toques e cânticos, chamados de Xerere
  • Uma cabaça com o pescoço comprido em forma de chocalho é agitada com a suas sementes fazendo assim o som do Sèrè, forma reduzida do Sèkèrè, instrumento por excelência de Sángô.
  • A cabaça inteira em tamanho grande substitui nos ritos de Asèsè, a cabeça de uma pessoa que morreu e que por alguns fatores não é possível realizar as obrigações de tirar o Òsu;
  • Ahá, pequena cabaça servindo como copo ou xícara para tomar remédios e bebidas;
  • Pòko ou a metade superior ou inferior de uma cabaça de forma oval;
  • Atò é uma cabaça pequena e comprida utilizada para guardar remédios;
  • Gbá Kòtò, cabaça larga e alta, usada para guardar Èko (bolo de milho) quente. Tem uma tampa que pode ser usada como funil;
  • Koto, cabaça grande e larga, semelhante a um cesto;
  • Por fim, pode ser lembrado que a cabaça cortada em forma de vasilha com tampa é conhecida como Ìgbàdù, a cabaça da existência e contém os símbolos dos quatro principais Odús: Éji, Ogbè, Òyekú, Mèjì e Òdì Mèjì.



quarta-feira, 22 de novembro de 2017

As vestimentas do Candomblé


No contexto dos terreiros, "baiana" se tornou uma denominação comum para descrever o traje ritual, composto de saia armada com anáguas, camisa, bata, torço, chinelas e uma série de acessórios que se somam às roupas. "Estar de saia" ou "vestir a baiana" são expressões comumente encontradas nos terreiros para designar a filha de santo que está vestida adequadamente para as cerimônias.
Essa vestimenta, formada a partir do amálgama de várias influências culturais, foi se alterando até chegar a forma encontrada no final do séc. XIX, dando origem à roupa de crioula, aos trajes das baianas de acarajé, dos Candomblés, até chegar às variações estilizadas do século XX, como as baianas de teatro de revistas, as alas das baianas e as dos filmes hollywoodianos da década de 1940. A vestimenta baiana é similar a um dos trajes de beca da Irmandade de Nossa Senhora da Boa Morte, em Cachoeira, que é o traja branco utilizado no cortejo de Nossa Senhora da sexta feira santa.
O luxo dos tecidos (as sedas, rendas e "custosos lavores"), o uso de muitas pulseiras e braceletes, as sandálias abertas, sem presilhas, se mantiveram durante décadas. O uso do "molho de variados berloques" (ou penca de balangandãs) quase que desapareceu. No entanto, alguns componentes desses balangandãs, se por um lado deixaram de aparecer na composição da baiana, passaram a fazer parte das vestimentas rituais dos Orixás e Nkisis, como peixes em metal, corações, pombos, chifres encastoados, pencas e capangas.

As roupas usadas no cotidiano de um terreiro são feitas com tecidos simples como o algodão, morim e a cambraia. São as chamadas roupas de ração, utilizadas para o trabalho diário de manutenção da casa de Santo, obrigações e limpezas.


As roupas de festas e principalmente as roupas usadas pelos Voduns, Orixás e Nkisis, denominadas roupas de gala, são confeccionadas com tecidos luxuosos como bordado richelieu, bordado inglês, além de brocados, lamês, sedas e rendas. Essas últimas aparecem com grande frequência no acabamento das peças, ou mesmo constituindo o tecido principal na confecção da vestimenta. As rendas, talvez, sejam a matéria prima encontrada com mais intensidade e em maior quantidade nas vestimentas de terreiros, ornando até mesmo as roupas mais simples, fato não observado apenas nas vestimentas confeccionadas em richelieu.
Em comum, o uso de Ojás, fios de conta (guias) em abundância, pulseiras de metal e miçangas, sais rodadas, onde pelo menos uma é ornada na barra com rendas pregueadas e outra decorada com fitas de cetim. E, finalmente, todas portam o Pano de Alaká (pano da costa), levados pendentes no ombro e variando o lado de seu uso.
O Alaká, talvez seja um dos elementos simbólicos mais importantes da vestimenta afro brasileira. Tradicionalmente confeccionado por  processo artesanal, a matéria prima desses panos era o algodão, a seda e a ráfia, tecidos em tear manual. As tiras produzidas, de aproximadamente 15cm de largura, eram costuradas uma a uma, variando o seu número de acordo com o tamanho do pano que se queria obter. Quando feitos de seda (obtida pelo desfiamento de tecidos importados), era também chamado de xale da costa, mas os mais comuns eram confeccionados em algodão, geralmente bicolores. Os de maiores dimensões eram utilizados por pessoas de mais alta graduação na organização social religiosa dos terreiros.

Os panos produzidos nesses teares manuais eram habitualmente listrados, padronagem que durante muito tempo serviu como símbolo da exclusão na Europa, desde o século XIII, segundo Pastoureau. Desde o século XVI, até meados do século XIX, criados e escravos africanos eram retratados com vestes listradas.
Inicialmente produzidos em tons mais amortecidos, os panos tiveram suas cores alteradas pouco a pouco no Brasil, talvez pela inspiração dos coloridos paramentos eclesiásticos. A tinturaria variada do Congo, por sua vez, provavelmente influenciou o uso de corantes mais intensos na produção desses panis. Mas o Candomblé provavelmente foi decisivo para alterar o colorido dos panos da costa, em função das cores atribuídas às Divindades.
O pano da costa se prestou, ao longo do tempo, a uma variada gama de usos, como xales, pano de cintura, turbante, ou até mesmo para carregar crianças pequenas nas costas. Antônio Carreira descreveu o pano de lambu, bambu ou bamburo, vocabulário mandinga que significa "trazer ao dorso". Esse pano, segundo sua descrição, era menor que um pano da costa, podia ter de 60 a 80cm de largura, por um metro de comprimento, com quatro bandas (possivelmente faixas) que serviam de prendedores para se atar ao peito e abdômen, diferentemente dos panos da costa, que habitualmente tinham em média 2m de comprimento, e sem nenhum, e sem nenhum outro componente para amarração. O próprio pano é enrolado ou amarrado, de acordo com seu uso.
No candomblé, o Alaká pode ser usado de várias maneiras e com várias funções: enrolado no corpo, sobre o busto, enrolado na cintura, cruzado sobre o peito e amarrado no ombros ( e, nesse caso, se confunde com as bandas ou bandôs, podendo mesmo substituí-los), enrolado no colo, cobrindo o peito e os ombros, usado sobre um dos ombros, dobrado - nessa circunstância, também chamado de embrulho, especialmente na composição da roupa de crioula  - como xale ou para cobrir os tambores sagrados quando não estão em uso, ou ainda para cobrir os assentamentos das divindades.
A quando uma filha de santo entra em transe, uma Ekede ou Makota (aquela que zela, acompanha e cuida das roupas e apetrechos do Orixá regente da casa) se apressa em mudar a forma de fixação do alaká ao corpo; originalmente enrolado, será imediatamente amarrado sobre o busto se a divindade for feminina ou cruzado sobre o peito e amarrado no ombro se a divindade for masculina. No caso dos filhos de santo que não possuem o Alaká em sua vestimenta cerimonial (que é reduzida a uma calça, uma camisa ou bata) é providenciado um para que seja atado a seu corpo. Na ausência do traje completo da divindade, o Alaká se presta a demarcar a presença da divindade em transe no iniciado.
O Ojá (também denominado toboso em algumas casas de matriz Angola-Congo) é uma faixa de tecido de uso variado nos terreiros de candomblé. Usadona cabeça à guisa de torço, pode também ser utilizado nas vestimentas como laços, nos tambores, na ornamentação do barracão, nos assentamentos, árvores sagradas e oferendas. É confeccionado em diversos tipos de tecidos como algodão, cetim, seda, chitão estampado, renda e bordados em richelieu e pode ter cores e padrões de estampa variados, embora o branco seja mais habitual.
Para compor a vestimenta ritual, são indispensáveis as anáguas de goma (ou saiotes) que, embora não sejam visíveis, são cuidadas com o mesmo esmero dispensado às outras peças. Usadas em número que varia de três a sete, são confeccionadas em tecido de algodão, ornadas com rendas e entremeios de algodão.
A técnica de engomamento é delicada e de difícil execução; quanto mais engomada, melhor será o resultado final da vestimenta. Após passar a ferro, brilham e ficam tão lisas como espelho. Sendo o orgulho das filhas de santo.
Encontramos nas páginas da internet, inúmeras formas de se vestir em rituais e cerimônias nos cultos afro descendentes. A paixão em dar o que se tem de melhor para abrilhantar uma festa, sua divindade, não pereceu ao longo dos tempos. As casas se enfeitam com as cores da divindade a ser celebrada e todos os filhos se unem para que a sua vestimenta esteja no nível de seu patrono. É bonito, encanta e ajuda a perpetuar o amor ao sagrado.
Obrigado pela leitura. Espero ter acrescentado um pouco de nossa cultura.
Axé axé axé.