Culto ao Tambor de Mina

Culto ao Tambor de Mina
Matinjalo meus amigos, irmãos e meus mais velhos. Me chamo Pai Jean de Xapanã e fui iniciado na Nação Mina-Jeje-Nago por Toy Voduno Francelino de Shapanan em São Paulo. Fui novice, fui vodunsi, fui vodunsirê e hoje sou Agunjai, um dos postos mais importantes dentro do Jeje ainda recebido das mãos de meu Pai. Tive a honra de ter sido o último barco de Agunjai dado por meu Pai. A última rama de Tobossi que saiu da casa de Toya Jarina. Uma grande honra poder completar essa obrigação pois, temos conhecimento que a última rama de Tobossi na casa de meu Pai, foi feita há 14 anos e, na casa de meu avó, há muito mais tempo. Em Salvador, nas casas Jeje, temos conhecimento que essa obrigação não era dada há mais de 25 anos. Isto prova a capacidade e a cultura de Pai Francelino e a casa das Minas de Toya Jarina. Dentro do Culto Jeje, sou Toy Azondelo. Tive a honra de ser o primeiro e o último Xapanan feito por meu Pai, honra essa me orgulha muito pois, um dia recebi as bençãos e a graça de Toya Jarina, pedindo para que eu fosse feito. Tive como madrinha Mãe Toya Mariana, a bela turca de Alexandria. Assim, ingressei para a família de Lego Shapanan, tornando-me filho de Francelino de Shapanan (que tinha como nome africano - Toy Akosakpata Azondeji), filho de Jorge Itaci de Oliveira ( Voduno Abê-Ka Dan Manjá), meu avô, que era filho de Maria Pia dos Santos ( Iraê Akou Vonukó). E, como tetravó, Basília Sofia ( Massionokom Alapong) que veio da África para o Brasil, da Nação Fanti-Ashanti e que aqui fundou o Ylê Axé Niamê, conhecido como Terreiro do Egito, tocando Mina Jeje-Nagô. Hoje digo a vocês: Manter a árvore genealógica, é mostrar para os outros onde nascemos, viemos e para onde vamos. Mostrando nossa identidade no Santo, é provar que temos um ancestral vivo e presente na nossa vida. Hoje ficamos muito tristes quando conversamos com pessoas da religião que não sabem sua identidade, sua ancestralidade. Se perdermos nossa identidade é como se tivéssemos perdido o nosso nome. E lembrem-se: preservar a ancestralidade é manter a tradição.Sou dirigente da Casa de Toy Lego Xapanã em Manaus. E, espero que meu Vodum abençoe todos nos dando Adoji aos nossos Oris. AXÉ AXÉ AXÉ

terça-feira, 19 de dezembro de 2017

Ritual do Axexe

Axexe: O ritual de passagem.

Axexê é uma cerimônia realizada após o falecimento de alguém que foi iniciado no candomblé.
A palavra Axexê é um derivado da palavra Ajeje, nome específico dado à trouxa das coisas que saem para ser posta para fora. O Axexê, como o Ipadê, sempre foram rituais feitos pelos descendentes religiosos do Reino de Ketu, dos caçadores, do qual Oxóssi foi seu rei, tanto assim que até hoje está presente essa marca no canto que inicia o Axexê:




"Axexê oni mo juba...
Axexê, omo ode...
       Axexê Olorun Baba o...
Axexê omo ode."

              "O Axexê é hoje meus respeitos
         O Axexê do Varão caçador
    Axexê ó Deus Pai Axexê
                        O Axexê, o Axexê do Varão caçador."

Tudo nessa vida tem um começo e um fim. Na religião, isso não é diferente em nenhuma delas. Em todas, seja mulçumana, católica ou até no candomblé, há o ritual de iniciação, que significa a entrada de uma pessoa para sua vida religiosa, e os atos fúnebres, principalmente nos sacerdotes que receberam fundamentos importantes de sua religião para conduzirem com sabedoria a continuidade do caminho religiosos de outros adeptos.
Os rituais de iniciação no Candomblé, na prática de antigamente, eram feitos na cuia, ou seja, se assentava o Orixá de uma pessoa na cuia. E, nos dias de hoje, essa prática não foi perdida. Ainda se assentam algumas Divindades, como Nanã, Ewá, e outros que utilizam a cuia para se fazer alguns fundamentos. Não é a cabaça, como já foi falada em outra postagem neste blog, na cuia mesmo. E quando o Yawó ou iniciado completava seus sete anos de iniciado, ele recebia a sua "cuia", os seus direitos. Assim, ele recebia seus direitos na cuia que continha a navalha que foi iniciado, os pós de fundamento juntamente com as sementes, seu fio de conta e seu Humgèbè, que é seu fio de conta de maior idade.
Pai Francelino de Shapanan: + 18/02/2007
Quando o Sacerdote faz a sua passagem do Ayè para o Orun, se realiza um ritual chamado Axexe. Junta-se todos seus pertences pessoais itulizados em sacrifícios e obrigações, como roupas, colares e os assentamentos de santo e se faz uma consulta oracular para se saber do destino dos objetos separados, se ficam com alguém. Ema caso positivo, esses objetos são lavados com ervas sagradas e entregue ao herdeiro revelado no oráculo. Em caso negativo, os objetos são separados para junto com os demais e, após serem os colares rompidos, as roupas rasgadas e os assentamentos quebrados, são colocados em uma trouxa que será entregue em um local também indicado pelo oráculo. Normalmente, a trouxa, que é chamada de carrego de Egun, é acompanhada de uma sacrifício animal, indo de uma única ave à um quadrúpede acompanhado de várias aves, dependendo do grau de iniciação do morto.
Jorge Babalaô: + 09/06/2003
Se o falecido era um iniciado de pouco tempo, basta um lençol branco para se embalar o carrego.
Em outro ritual, já de um sacerdote com certo grau dentro da religião, se coloca uma bacia de alumínio grande, se pega a cuia que ele recebeu de fundamento e se coloca alguns fundamentos dentro dela junto com água. Depois se emborca tudo na bacia. Toca-se com os Alidavis, que são as varetas que se tocam o tambor, e se tocava a cuia. Há um outro ritual em que se coloca na frente, o pote e o abano de Oyá (aquele abano feito de palha) e a sandália do falecido emborcada. Fazia-se um toque tanto no pote como na cuia. E, como é interessante este ritual pois, nossos mais velhos, quando viam uma sandália emborcada, mesmo sem nunca participar do ritual de Axexe, ou mesmo sem sequer participar da religião, diziam que chamava a morte, o que tem uma relação muito íntima com o candomblé. Feito isso, se preparava a coifa, que seria um grande cesto retangular, muito comum nas regiões Norte e Nordeste para se colocar o pescado. Então, nessa coifa se faz todo o ritual do ato fúnebre do sacerdote. Em seguida é dado uma comida, um bicho de quatro pés por ele ter sido um sacerdote e se prepara o carrego para se levar ao Balé. Então, o ato fúnebre, se continuava com outros rituais pois, quando o sacerdote é iniciado, ele tem o seu Adoxu, onde é feito toda a cerimonia em si, então, quando o ele parte para o Orun, se faz o ritual de raspagem novamente, realizando alguns outros rituais neste momento.

No Tambor de Mina, temos uma cantiga muito antiga deixada pelos nossos mais velhos, cantada na hora que está se parte e levantando as obrigações:

"Vem buscar teu livro mestre, teu desengano do mundo.(bis)"

Pai Euclides Talabyian: +17/08/2015
Assim, se faz esses rituais todos para se encaminhar para a segunda parte do ato do Axexe, onde se vai ao cemitério, onde a cova já estará aberta para receber moedas, pipocas e algumas outras coisas para receber o corpo, pois não é um corpo qualquer, é uma pessoa que foi preparada por seus ancestrais e a própria ancestralidade vai recebe-lo, como Ewá, Omolú e outras Divindades que pertencem a esse ritual. Após a chegada ao cemitério, se retira o caixão e se coloca no ombro de três Ogãs de um lado e três do outro, não podendo ser levado na mão, mesmo porque se tem nessa hora alguns segredos que só quem passou pela iniciação sabe, e, esse caixão tem que ir no ombro dando três passos para trás e três para frente no momento da entrada ao cemitério, cantando sempre a cantiga para se levar e contando outras histórias de nossos ancestrais.
Tata Pérsio de Xangô: + 14/12/2010 
Tudo é ligado à ancestralidade. Percebe-se que deitamos e levantamos para o ancestral na hora de passarmos por esses rituais. Por isso, através desses fundamentos, depois que se enterra o falecido sacerdote, se retorna para sua casa de santo e todos tomam seus banhos de ervas. Em seguida, se dá uma comida ao Babá Egun da casa, a ancestralidade do terreiro.
Essas são algumas práticas de ritual de Axexe nas religiões de matriz africana.
Após um ano, primeiramente, se dá uma comida à casa de santo, às entradas das portas (como dizemos aqui no Norte: à soleira da porta) e à Ogum, que será o primeiro Orixá a comer se iniciando o tambor de alegria ritual realizado para abertura da casa de santo. Depois, dá-se de comer à Lonan e toda a ancestralidade da casa é ofertado uma oferenda para que haja o retorno de todos no terreiro. Nesta prática, há algumas casas que se joga os búzios antes para saber o sucessor do sacerdote que faleceu ou depois de um ano.
Então, esses rituais compõem a nova corte sucessória do trono do terreiro. Apesar de uma casa de santo ter sempre uma mãe pequena ou um pai pequeno, antigamente eles poderiam fazer a sucessão do sacerdote, porém, o mais certo é se chamar alguém qualificado para se realizar o jogo de búzios e ter o conhecimento de quem ou qual Orixá as Divindades da Casa de santo em questão, estão apontando para dar continuidade na casa e nos filhos de santo. Geralmente, antes de se chegar a uma situação como esta, o próprio sacerdote prepara alguém para lhe suceder em caso de falecimento e já lhe passa todos os procedimentos e funcionamento da casa e dos filhos.

Mãe Beata de Iemanjá: 27/05/2017
Alguns sacerdotes preferem já encaminhar alguém para lhe suceder, já que esta é uma situação muito delicada e com muito egos envolvidos na hora de se apontar alguém. Uns acham que tem a preferencia, outros acham que merecem, outros que sabem tudo e na verdade quem sabe são as Divindades quem melhor se qualifica para essa continuidade.
A ancestralidade não pára, mesmo porque o sacerdote falecido fica sendo o próprio Babá Egun da casa. É como se fosse uma obrigação em vida só, que, agora com ele falecido, recebe a obrigação de um ano, de três anos, de sete, de quatorze, de vinte e um e nunca deixará de ser reverenciado, fechando o círculo do ritual de Axexe.


Para finalizar nosso assunto, se realiza também, o jogo de búzios para se saber se o Orixá do Sacerdote quer ser despachado com ele ou não. Na verdade, pelo ritual correto o santo tem que ser despachado no ato fúnebre, pois, ele está com todas as influencias de seu sacerdote. Outras casas, hoje em dia, não se despacha o santo.
Na minha opinião, humildemente creio, que ninguém deve ficar com nada de ninguém. Nem na vida e nem na morte.

Obrigado e muito axé a todos.




quinta-feira, 14 de dezembro de 2017

Nação Jeje - Jeje-Mahi - Jeje-Mina

A Nação Jeje

A Nação Jeje-Mahi, do estado da Bahia, e a Jeje-Mina, do Maranhão, derivavam suas tradições e língua ritual dos ewês-fons ou Jejes, como já eram chamados pelos nagôs, e suas centrais são os Voduns. As tradições rituais Jejes foram muito importantes na formação dos candomblés no Brasil.

A palavra JEJE
Essa palavra vem do yorubá "adjeje", que significa estrangeiro, forasteiro. Portanto, não existe e nunca existiu nenhuma Nação Jeje, em termos políticos. O que é chamado de Nação Jeje é o candomblé formado pelos povos fons vindo da região do Dahomé, e pelos povos mahis. Jeje era o nome dado de forma pejorativa pelos yorubás para as pessoas que habitavam o leste, porque os mahis eram uma tribo do lado leste e Saluvá ou Savalu eram povos do lado sul. O termo Saluvá ou Savalu na verdade vem de "Savê", que era o lugar onde se cultuava Nanã, uma das origens das quais seria Barba, uma antiga dinastia originária de um filho de Oduduá, que é o fundador de Savê ( tendo, neste caso, a ver com os povos fons). O Abomey ficava no oeste, enquanto Ashanti era a tribo do norte. Todas essas tribo eram  de povos Jeje.

A palavra DAHÓME
Essa palavra tem dois significados: Um está relacionado com um certo rei Ramilé, que se transformava em serpente e morreu na terra de Dan. Daí, ficou " Dan Imé" ou  "Dahomé", ou seja, aquele que morreu na Terra da Serpente. Segundo as pesquisas, o trono desse rei era sustentado por serpentes de cobre, cujas as cabeças formávamos pés que iam até a terra. Esse seria um dos significados encontrados: 
Dan = "Serpente Sagrada"
Homé = "A Terra da Serpente Sagrada"
Acredita-se ainda que o culto a Dan é Oriundo do antigo Egito. Ali começou o verdadeiro culto à serpente, em que os Faraós usavam seus anéis e coroas com figuras de cobras.
Encontramos também Cleópatra com a figura da cobra confeccionada em platina, prata, ouro e muitos outros adornos femininos. Então, podemos dizer que esse culto veio descendo do Egito até Dahomé.

Os povos Jejes se enumeravam em muitas tribos e idiomas, como: Ashantis, Gans, Agonis, Popós, Crus etc. Portanto, teríamos dezenas de idiomas para uma tribo só, ou seja, todas eram Jeje, o que foge, evidentemente às leis da linguística - muitas tribos falando diversos idiomas, dialetos e cultuando os mesmos Voduns. As diferenças vinham, por exemplo, dos Mina-Gans ou Agonis e Popós que falavam a língua das Tobossis.

Jejes no Brasil

Os primeiros negros Jeje chegados no Brasil entraram por São Luís do Maranhão e de São Luís desceram para Salvador, Bahia e, de lá, para Cachoeira de São Félix. Também ali há uma grande concentração de povos Jeje. Além de São Luís/Ma, Salvador e Cachoeira de São Félix na Bahia, o Amazonas e bem mais tarde o Rio de Janeiro, foram lugares onde se encontram evidências dessa cultura.

Origem
Muitos Voduns Jeje são originários de Ajudá. Porém, o culto desses Voduns só cresceu no antigo Dahomé. Muitos desses Voduns não se fundiram com os Orixás Nagôs e desapareceram totalmente. O culto da serpente, Dáng-bi, é um exemplo, pois, nasceu em Ajudá, foi para o Dahomé, atravessou o Atlântico e foi até as Antilhas.

Classificação
Quanto à classificação dos Voduns Jeje:
  • Jeje Mahi tem-se a classificação do Povo da Terra, ou Voduns Caviunos, que seriam os Voduns Azanssu, Nanã e Becém. Temos também o Vodun chamado Ayzan, que vem da nata da terra e é um Vodun que nasce em cima da terra. Ainda sobre os Voduns da terra, encontramos Loko que, apesar de estar ligado também aos astros e à família de Heviosso, também está na família Caviuno, porque Loko é arvore sagrada, é a gameleira branca, muito importante na nação Jeje. Seus filhos são chamados de Lokosses.
  • A família Heviosso é encabeçada por Badé, Acorumbé, também filho de Sogbô, chamado de Runhó. Mawú-Lissá seria o Orixá Oxalá dos Iorubas. Sogbô também possui suas particularidades com Orixá Iorubá Xangô e ainda com o filho mais velho do Deus do Trovão que seria Averekete, filho de Ague e irmão de Anaitêr.. Corresponde à Yansã no Candomblé.
  • Anaitêr seria uma outra família, vinda de Aziri, pois são as Aziris ou Tobossis que viriam a ser as Yabás dos Yorubás, e encontramos assim "Aziritobosse".

Jejes no Rio de Janeiro
No Rio de Janeiro, o culto aos Voduns foi fundado pela africana Gaiaku Rosena, natural de Allada, com o Terreiro de Kpodabá, no bairro da saúde, que foi herdado por sua filha Adelaide de São Martinho do Espírito Santo, também conhecida como Ontinha de Oyá (Oyá Devodê), mais conhecida como Mejitó, que transferiu a casa de santo para o bairro Coelho da Rocha, e esse axé foi herdado por Glorinha Toqueno, com terreiro no bairro de Engenho de Dentro, no Rio de Janeiro.
O Kpodabá é a casa matriz, mais deixou ramificações como o Kwesinfá. fundado em Agostinho Porto, por Natalina de Aziri ( Ezintoede), tendo  como herdeira Helena de Bessen, que transferiu a roça para Parque Paulista, em Duque de Caxias, hoje filha de santo de Glorinha Tokuenu.
Depois veio Antônio Pinto de Oliveira, Tata Fomoutinho, que fundou o Kwe Ceja Nassó, no bairro  de  Santo Cristo, mudando-se depois para Madureira, na Estrada do Portela, depois para São João de Meriti, onde finalmente se estabeleceu na Rua Paraíba.
Tata Fomoutinho deixou uma legião de filhos, netos e bisnetos. Dentre estes, Jorge de Yemanjá, que fundou o Kwe Ceja Tessi, Pai Zezinho da Boa Viagem, que fundou o Terreiro de Nossa Senhora dos Navegantes, Tia Belinha, que fundou a Colina de Oxóssi e Pai Amaro de Xangô.

A relação dos Mina com os Jejes
A religião dos Jejes recebeu o nome genérico de Tambor de Mina pela presença constante dos tambores nos rituais e pelos escravos "Minas", como eram chamados os negros sudaneses. No culto do Tambor de Mina, se manifestam os Voduns e Entidades chamados de "Encantados". Espíritos que vem em Terra para dançar nas cerimônias públicas denominadas Tambor. É um culto que expressa forte sincretismo com o Catolicismo, e suas festas tem datas bem próximas a dos santos católicos.

Primeiras Casas Jejes
No Maranhão, os dois mais antigos terreiros  foram fundados por africanas no século XIX e sobrevivem até hoje: Casa Grande das Minas ( Kuerebentan Zomadonu e a Casa de Nagô (Nagon Abioton).  
  • A Casa das Minas, se cultua exclusivamente os Voduns, que são as divindades da Nação Jeje, mas também dão passagem a Voduns Nagôs e Orixás, mas não cultuam divindades caboclas ou encantados.
  • A Casa Nagô é de origem Iorubá e cultua Voduns, Orixás, espíritos de Reis, Nobres, Turcos, Índios, etc. Baseados nessa modalidade de culto, muitos outros terreiros surgiram derivados da Casa de Nagô, por toda a cidade de São Luís e outras localidades da região.

Jejes em São Paulo
Em São Paulo, o culto aos Voduns foi trazido em 1977, por um jovem líder da religião, Francelino Vasconcelos Ferreira ou Toy Vodunon Francelino de Shapanan, exatamente como o culto constituído  no Maranhão, fundando a Casa das Minas de Thoya Jarina. De lá se ramificou por todas as partes do país, inclusive ao Norte, mais especificamente no Amazonas, onde se deu a continuidade dos ritos na Casa Reino Dahomé de Lego Xapanã, fundada e dirigida há mais de 20 anos por Toy Azondelo de Xapanã, que mantém até os dias atuais a essência adquirida por seu Toy.


Jejes na Bahia
Na Bahia, os Voduns Jeje encontraram correspondências com os Orixás Nagôs, mas constituem uma categoria de entidades espirituais diferenciada. No ritual dos terreiros de Salvador e Cachoeira, há três grandes Panteões: A Família Kaviono ou Heviosô (associada ao Trovão e ao fogo), a Família do Azonsu ou Sakpatá (associada a Terra e à varíola) e a Família de Dan (associada a cobra e ao arco íris). As famílias baianas de Heviosô e de Azonsu correspondem, a grosso modo, às famílias Maranhenses de Queviossô e de Dambirá, respectivamente. Comparando o Culto Jeje-Mahi da Bahia, e o Mina-Jeje do Maranhão, veremos diferenças nos Panteões e outros aspectos  litúrgicos. Os Jeje provinham de várias províncias e pertenciam a etnias distintas - Mahi, Savalu, Fon, Mudibi - , cada uma com devoção por grupos de divindades especificas. Esses Panteões, que já na África funcionavam como cultos de múltiplas divindades, foram agregados ou justapostos no Brasil em cultos cada vez mais plurais e abrangentes.

Os Voduns
Divindades dos povos Fon ou Jeje, são forças da Natureza e antepassados humanos divinizados. Na Casa das Minas estão agrupados nas famílias Davice, Dambirá, Savaluno e Queviosso.
Alguns Voduns jovens, chamados de Toquens ou Toquenos, cumprem a função de Guias ou Mensageiros e até mesmo de ajudantes de outros Voduns. Eles chegam antes ao Terreiro e chamam os outros. Podem ser masculinos ou femininos e ter em torno de 15 anos.
Além  dos Voduns, o Panteão de Divindades, também fazem parte do Panteão da Casa das Minas, as Tobossis, divindades infantis femininas que são consideradas filhas dos Voduns e se manifestam nos dançantes com iniciação plena, chamados Vodunsi-Gojaí.
Diferentemente dos Voduns, que se manisfestam em diferentes adeptos, as Tobossis são consideradas entidades únicas, exclusivas de suas Vodunsi-Gonjaí. Com a morte dessa Vodunsi que a recebia, não volta a manifestar mais.

As Famílias
  • Família Davice = Reúne ou Voduns da Família Real do Abomey, do antigo Dahomé, atual Benin.
  • Família de Savaluno = É uma família de Voduns amigos da Família Davice. Não são Jeje e são hospedados na Casa das Minas.
  • Família Dambira = Reúne os Voduns da Terra, ligados à doenças e à cura.
  • Família Queviossô = Família de Voduns considerados Nagôs, mas que não são Orixás. Entre eles apenas Nanã é cultuada nos candomblés de Orixás.

Muito obrigado pela leitura. Axé

sexta-feira, 8 de dezembro de 2017

Fios de Conta

Os colares de contas são objetos de identificação dos Fiéis com as Divindades do Candomblé, e o ato de seu recebimento é um importante momento dessa vinculação. A montagem e a entrega dos Fio de conta são momentos fundamentais no ritual de iniciação dos Filhos de Santo.
Feitos com contas de diferentes de diferentes materiais e cores, esses fios apresentam uma grande diversidade e podem ser agrupados por tipologias de acordo com os usos e significados que tem no culto. Assim, acompanham e marcam a vida espiritual do fiel, desde os primeiros instantes da sua iniciação até as suas cerimonias fúnebres.
Como nos momentos da montagem e do recebimento, também o instante da ruptura é significativo; entretanto, o rompimento do fio de conta, mais do que indicar um mau presságio, que assusta e preocupa o indivíduo e a comunidade, pode ser indício de um novo ciclo, um recomeço, um momento de viragem que pede um novo colar. Dos primeiros fios, simples, ascéticos e rigorosos, às contas mais livres, exuberantes, complexas e personalizadas que a pessoa vai produzindo ou ganhando ao longo do tempo, delineia-se o caminho de cada um na sua vinculação aos Orixás e à comunidade do terreiro.
Desta maneira, mais do que libertação do gosto particular, as transformações dos colares revelam o conhecimento adquirido pela pessoa e sua ascensão na hierarquia religiosa. De tal modo que um leigo pode passar despercebido por um fio de contas ou vê-lo apenas como um adorno, enquanto que um iniciado na cultura do candomblé o tomará como um objeto pleno de significados, que pode ser "lido" e no qual é possível identificar a raiz, o Orixá da cabeça e o tempo de iniciação, entre outros dados da vida espiritual de quem o usa.
Dos ritos secretos e espaços fechados do culto aos Orixás, os fios de contas ganharam o mundo e adquiriram novos usos. Da África vieram para o Brasil e para todo o mundo onde o Candomblé se tem difundido. Hoje, devido ao sincretismo religioso, além dos espaços de culto,, é possível observar a presença dos fios de contas em lugares inusitados como automóveis e lojas, mas já destituídos das funções e sentidos primordiais, usados apenas para proteger os espaços e as pessoas contra maus agouros.
Pode ser chamado fio de contas desde aquele de um fio único de miçangas até um colar com vários fios, presos por uma ou várias firmas. A quantidade de fios pode variar de uma nação para outra na correspondência de cargos. Na hierarquia do Candomblé toda a pessoa que entra para a religião será um Abian, e assim permanecerá até que se inicie. Ao Abian só é permitido o uso de dois fios de contas simples de um fio só, um na cor branco leitoso que corresponde a Oxalá, de acordo com a nação, e um na cor do Orixá da pessoa, quando já tenha sido identificado. Dessa forma, pode-se saber que a pessoa é um Abian e qual é o seu Orixá.
Um Egbomi usa diversos colares de um fio só, com contas na cor dos Orixás que já tem assentados e estas já podem ser intercaladas com corais ou firmas africanas.


Tipos de Fios de Contas

Yian / Inhãs: Colar simples de uma só fiada de miçangas, cuja medida deve ir até a altura do umbigo.

Delogum: Colares feitos de fiadas de miçangas com um único fecho. Vai até à altura do umbigo e cada Iaô deve possuir um Delogum do seu Orixá principal e outro do que o acompanha em segundo plano.

Brajá: Longos fios montados com búzios de dois em dois, em pares opostos. Podem ser usados a tiracolo e cruzando o peito e as costas. É a simbologia da inter-relação do direito e esquerdo, masculino e feminino, passado e presente.

Humgebê / Rungeve: Feito de miçangas marrons, corais e seguis (um tipo de conta), apresenta a história da pessoa dentro de sua religiosidade.

Lagdibá / Dilogum: Fios múltiplos, em conjunto de 7, 14 ou 21. São unidos por uma firma (conta cilíndrica) e sua extensão é preenchida por contas circulares feita de material de búfalo.



As Cores para cada Orixá:

As cores apresentadas a seguir, são as utilizadas em apenas algumas nações. As cores se diferenciam drasticamente de nação para nação dependendo do Vodun, Inkisi ou outra Divindade.

Exú: Contas vermelhas e preto
Ogum: Contas azul forte
Oxóssi: Contas azul turquesa
Omolú: Contas brancas raiadas com preto
Iemanjá: Contas azul claro de cristal
Iansã: Contas vermelhas
Oxum: Contas douradas
Obá: Contas vermelhas e amarelas
Nanã: Contas brancas riscadas com azul
Xangô: Contas vermelhas e brancas
Oxalá: Contas brancas 
Ossain: Contas verdes
Oxumaré: Contas amarelas e verdes

sexta-feira, 1 de dezembro de 2017

Tambor de Mina - Do Maranhão para o Brasil

Tambor de Mina é denominação pela qual é conhecida a religião trazida pelos negros africanos de origem Jeje, Nagô e outras, para o Maranhão, o toque que indica um ritual de chamada e louvação às entidades africanas ( Voduns e Orixás) e Caboclos de várias procedências.
Os rituais são realizados em casas de culto chamadas de terreiros ou Casa de Mina, onde os iniciados recebem entidades em transe mediúnicos em rituais acompanhados por instrumentos como tambores (abatás, tambores da mata), cabaças e agogôs. O Tambor de Mina é realizado nos terreiros principalmente nos dias em que a Igreja celebra as festas de seus Santos. Há canto e dança dos filhos de santo com suas entidades, ao som de tambores acompanhados de cabaças (abês) e de ferro (gã ou agogô).

O Tambor de Mina surgiu com os negros Jêje - nagôs e vem sendo mantido por seus descendentes há mais de um século. Durante o ritual, os 'Encantados' se manifestam e entram em contato com os devotos. Duas casas se constituem respectivamente nas mais antigas de São Luís: A Casa de Nagô e a Casa das Minas.

  • A Casa de Nagô, fundada por descendentes de africanos, deu origem a outros terreiros de São
    Luís, em que são recebidas entidades africanas e caboclas de origem europeias ou nativa. Segundo relatos, foi fundada à época de D. Pedro por "malungos" africanos "de Nação", ajudados pela fundadora da Casa das Minas. Localizada na Rua Cândido Ribeiro, a Casa de Nagô influenciou os demais terreiros de São Luís. Há um calendário tradicional da Casa que mantém festas nos meses de Janeiro, Fevereiro, na Quarta Feira de Cinzas, em Abril, Maio, Junho, Julho, Agosto, Outubro e Dezembro. Outros dois Terreiros antigos merecem ser lembrados: O Terreiro do Egito (já extinto) e o Terreiro da Turquia, (este era mantido por Pai Euclides da Casa Fanti Ashanti quando em vida). O Terreiro do Egito originou vários outros terreiros, com destaque para a Casa Fanti-Ashanti, de Euclides Ferreira; Casa de Iemanjá, de Jorge Itaci; e Terreiro Fé em Deus, de Mãe Elzita, filha de santo de Denira (já falecida).
  • A Casa Fanti-Ashanti foi fundada em 1954. Os Fanti e os Ashanti eram povos da antiga Costa do Ouro, na África, atual República de Gana. Em São Luís, a Casa de Fanti Ashanti fica localizada no bairro do Cruzeiro do anil. É uma Casa de Mina e Candomblé que mantém a tradição desde a sua fundação. Além dos rituais do Tambor de Mina, do Candomblé e das festas
    de Ogum, Oxóssi, Obaluaiê, Oxum, Oxalá, Nanã, Oxumaré,  Xangô e Oyá, a Casa também realiza o "Samba de Angola" para os boiadeiros. Há também rituais ligados à pajelança, ao catolicismo popular ( Espírito Santo) e ao folclore (como o boi de Corre Beirada e o Tambor de Taboca). O terreiro era comandado por Tabajara, na época em que Pai Euclides ainda estava nesse plano astral, coadjuvado pelos Encantados Juracema e Jaguarema que estavam presentes em todas as atividades, exceto nos rituais de Candomblé, onde a entidade maior era Oxaguian, dono da cabeça de Pai Euclides, que chefiou o terreiro desde quando herdou seus conhecimentos religiosos de um antigo Tambor de Mina de São Luís - o Terreiro de Egito - que funcionou até o final da década de 1970. Euclides Menezes Ferreira foi o pioneiro em São Luís na prática do Candomblé.
  • O Terreiro de Mina Iemanjá foi fundado por pai Jorge Itaci em 1956. Localizado no bairro da Fé em Deus, possui calendário vasto dedicado às nações Jeje e Nagô. A casa era comandada por Xangô, representado por D. Luís, Rei de França, Iemanjá e por Légua Boji Buá da Trindade, este na linha de caboclo. Realiza no
    dia 13 de Maio, um ritual e um Tambor de Crioula para os Pretos Velhos e, no dia 13 de Dezembro, um toque onde se rende homenagem à linha de boto, hoje quase desaparecida dos terreiros de mina.
O Terreiro da Fé em Deus, de Elzira Vieira, foi fundado em 1967 e realiza vários festejos ligados à Mina Nagô, à cura (pajelança) e ao catolicismo popular (Festa do Espírito Santo e outras). Um dos mais destacados da capital, tem como Guia Caboclo Velho, também chamado de Índio Velho e Índio Guerreiro, e como chefe a entidade conhecida como Surrupirinha.
"A Casa das Minas é o Terreiro de Tambor de Mina mais antigo de São Luís e é puramente Jeje", conforme Mão Deni (Denil Prata Jardim, nascida em 02 de Julho de 1925, em Rosário/MA). Foi fundado em 1840 por escravos africanos procedentes de Daomé, atual República de Benin. Os africanos denominavam a Casa de Querebentá de Zomadomu.
A fundadora do terreiro, conhecida como Maria Jesuína, era consagrada ao Vodun Zomadonu, o dono da casa. Segundo o que as pesquisas realizadas por Pierre Verger revelaram, a Casa das Minas foi fundada pela Rainha "Na Agontimé", viúva do Rei Agongló (1789-1797) e mãe do Rei Ghezo do Daomé.
A Casa das Minas possui uma organização matriarcal, sendo, portanto, chefiada por mulheres, começando pelas mães:
Na Agotimé, Luísa, Hosana, Andressa Maria (uma das mães mais conhecidas da Casa das Minas, que a governou entre 1914 e 1954) e Leocádia (Vodunsi Gonjaí).
Depois vieram as mães:
Anéris Santos, Manoca, Filomena, Amância, Amélia Vieira Pinto, até chegar à Mãe Deni
Mãe Deni, nascida Denil Prata Jardim, aposentada vondusi de Toi Lépon, é a nossa dirigente da Casa, consagrada a Lepon, Vodun da Família Dambirá. Faleceu em Fevereiro de 2015.
Em São Luís, a Casa das Minas é muito visitada, principalmente por ocasião da Festa do Divino Espírito Santo, realizada para Nochê Sepazim, princesa da família Real de Abomey, que é devota do Divino Espírito Santo.
A Casa das Minas, apesar de se apresentar como o único terreiro Mina-Jeje, exerceu grande influencia nos terreiros de Mina de outras 'nações', inclusive na Casa Nagô, também fundada por africanas, que, segundo a história oral, foi aberta com a colaboração da fundadora da Casa das Minas. Hoje, além dos termos como "Vodun" e "Guma" serem amplamente utilizados nos terreiros de São Luís, alguns Voduns assentados na Casa das Minas são amplamente cultuados no Maranhão, entre quais: Badé Quevioçô, Averequête, Acóssi-Sakpatá e Ewá,  o que mostra a grande importância da Casa das Minas na cultura maranhense.
Tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), através do processo nº 1464-T00, a Casa das Minas é o terceiro Terreiro de Culto Afro-Brasileiro no Livro do Tombo do órgão, ao lado do Terreiro da Casa Branca do Engenho Velho, ILê Axé Iyá Nassô Oká, tombado em 1987, e do Terreiro Ilê Axé Opô Afonjá, em 1999, ambos de Salvador/BA. Por conta disso, de 26 a 28 de novembro de 2005, foi realizado um seminário sobre o Tombamento da Casa das Minas, no Centro de Cultura Popular Domingos Vieira Filho. 
No primeiro dia, houve uma visita ao mais antigo terreiro de religião afro-brasileira em São Luís, na Rua de São Pantaleão, 857, com a inauguração da placa de azulejos comemorativa ao tombamento, e, no dia 27, foi aberta exposição temática. Seguiram-se mesas redondas e debates, com a participação especial das Vodunsis (filhas de santo)Deni Prata Jardim, Chefe da Casa das Minas, e Maria Celeste dos Santos.
Essa é a história da minha tradição. Axé a todos.

quarta-feira, 29 de novembro de 2017

Candomblés de Nação


A organização dos grupos Yorubás no Brasil coincide com o período em que a urbanização se acelera em cidades como Salvador, Rio de Janeiro, Recife e São Luís. Foi também nesse período que os movimentos abolicionistas ficaram cada vez mais fortes. No início do séc. XIX já era possível adquirir alforrias, comprando ou ganhando dos senhores e das senhoras de escravos.

Nesse contexto, intensificaram-se as participações de escravos urbanos e ex-escravos alforriados nas confrarias religiosas. Eram irmandades católicas que funcionavam sob a autorização da Igreja Católica e que permitiam a reunião de negros e negras para fins religiosos católicos.. Porém, a incorporação de elementos das crenças populares foi naturalmente ocorrendo. Foram dessas irmandades que sugiram muitas tradições culturais e religiosas tipicamente brasileiras como o Congado, o Maracatu e o Candomblé. Essas irmandades se organizavam de acordo com as etnias, como aponta Pierre Verger:



"Os pretos de Angola formavam a Venerável Ordem Terceira do Rosário de Nossa Senhora das Portas do Carmo. Os Dahomeanos (Jeje) reuniam-se sob a devoção de Nosso Senhor do Bom Jesus das Necessidades e Redenção dos Homens Pretos. Os Nagôs, cujo a maioria pertencia à Nação Ketu, formavam duas irmandades: uma de mulheres, a de Nossa Senhora da Boa Morte; outra reservada aos homens, a de Nosso Senhor dos Martírios".





O candomblé nasce no seio das irmandades que se reuniam em Salvador, próximas à Igreja de Nossa Senhora da Barroquinha. É necessário esclarecer que os Jejes e os Nagôs são dois grupos distintos, mas com tradições semelhantes. Os primeiros, trazem tradições dos Fon, Ewé, Mina e outros, da Religião do antigo Dahomé. Os Nagôs ou Yorubá trazem tradições de Ketu, Oyó, Osogbo e outras, atual Nigéria. Como vieram depois dos Bantu, em um contexto mais urbano e menos opressor, foi possível que se organizassem e se unissem mais rapidamente, para praticar as tradições. Por serem os primeiros a chegar como escravos, ainda no séc. XVI (a partir de 1530), os Bantu enfrentaram uma opressão mais intensa, espalhados pelos sertões e fazendas brasileiras, causando um sincretismo mais profundo com os indígenas e com as tradições católicas.

Entre o séc. XVI e XVIII, o Império de Oyó foi dominante no centro-oeste africano, inclusive como fornecedor de escravos aos portugueses. Um de seus principais inimigos eram os Haussá, povos islâmicos do norte africano e, em determinado momento no início do séc. XVIII, o Império de Oyó passou a ser fortemente atacado por esses mesmos povos. Com isso, os milhares de yorubás de Oyó, Ketu, Osogbo, Nirê, Ifé, entre outras cidades, foram vendidos aos portugueses, se tornando conhecidos aqui no Brasil como Nagô. Já no início do séc. XIC, metade da população negra de Salvador era yorubá. E foram esses, reunidos e organizados em torno da Irmandade de Nossa Senhora da Boa Morte, que fundaram o primeiro terreiro de Candomblé, conhecido hoje como Casa Branca de Engenho Velho. Foi fundado como Ilê Asé Iyá Nassô Oká.

Há controvérsias sobre os inúmeros fatos que envolvem a criação desse primeiro terreiro. Paulo César Coutinho, que escreveu a Minissérie Mãe de Santo, exibida na rede Manchete, em 1990, apresenta uma das versões em que, três princesa chegaram ao Brasil como escravas, os membros da Irmandade que trabalhavam nas ruas de Salvador juntaram dinheiro para comprar a liberdade delas. Viam na liberdade  daquelas princesas a possibilidade de dar continuidade à tradição ancestral africana, uma vez que sua linhagem real trazia a dos próprios Orixás. Um Babalawô, de nome Bangbosé, consultou Ifá e transmitiu a ordem de Xangô e Oxóssi para que se criasse a Casa de Candomblé, nomeando uma das princesas como Yalorixá. Elas eram: Iyá Akalá, Iyalodê e Obá Tossi. 

Os Orixás ordenaram que a Nação fosse de Oxóssi, e que a Casa seria de Xangô, com Iyalodê sendo a Iyalorixá regente. Em seu reino, ela detinha o mais alto cargo do culto a Xangô em Oyó. Isso explica a força e ênfase do culto a Xangô, o grande Obá, dentro do Candomblé Ketu.

Renato da Silveira, historiador e pesquisador das origens da religião, descreve assim a fundação do terriro: "Primeiramente, por volta  de 1790, teria sido fundado por membros da família Arô - uma das cinco famílias reais do reino de Ketu -  o Culto a Odé (um tipo de Oxóssi). Datam dessa época os ataques a Ketu e a chegada na Bahia das princesas gêmeas da família Arô, capturadas e vendidas por dahomeanos com apenas nove anos. O culto funcionava numa residência na Rua da Lamam atrás da Igreja da Barroquinha, onde hoje fica a Rua Visconde de Itaparica, tendo à frente a africana Iyá Adetá. Depois dela veio a africana Iyá Akalá, introduzindo o culto a Aiyrá - um tipo de Xangô que se veste todo de branco. Possivelmente nessa época se deu a saída dos Arô, que foram para o bairro de Luís Anselmo e fundaram o candomblé de Alaketu, conduzido nas últimas décadas pela Iyalorixá Olga do Alaketu. Os resquícios desses primeiros tempos ainda estão vivos: no Terreiro da Casa Branca, a festa de Xangô é chamada pelos filhos de santo de ' Festa de aiyrá' e, também nesse terreiro e em herdeiros de sua tradição, a saudação a Oxóssi ainda relembra os pioneiros: Okê Odé, Okê Arô". 

Pierre Verger, em seu livro Orixás, aponta outra versão. Segundo ele, Iyá Nassô e Obá Tossi, eram provavelmente primas e, depois de libertas aqui no Brasil, retornaram à África. Quando voltaram ao Brasil, já com a missão de organizar o culto aos Orixás aqui, Marcelina Obatossi trouxe consigo uma neta, Claudiana, que depois se tornou  Mãe Senhora. Assim temos a primeira linhagem de Iyalorixás de Nação Ketu. Iyá Nassô como primeira e Obá Tossi, que herda desta o título. Com a morte de Obá Tossi, Iyalodê assume o posto de Iyalorixá do Ilê Asé Iyá Nassô Oká em Salvador. Deste episódio, e das insatisfações que causou, surgiram outros dois terreiros. O primeiro, Iyá Omi Asé Iyamasê, no alto do Gantois, com Maria da Conceição Nazaré, de Xangô. O segundo foi o Centro Cruz Santa do Axé do Opô Afonjá, com Mãe Aninha - Obá Biyi à frente, também de
Xangô, em 1910. Iyá Adetá Okanlandê é citada por Verger como uma das mais importantes na fundação do Ilê Axé de Gantois.

Em 1938, aponta Verger, Tia Babá Olufandeí, sucedeu Aninha Obá Biyi e, em 1941, Mãe Senhora se torna Iyalorixá.

Em 1967, Maria Stella de Azevedo, Odé Kayodê, assume o posto herdado de Mãe Senhora do Axé Opô Afonjá. Daí por diante, outros terreiros foram surgindo em continuidade ao Candomblé de Nação Ketu.

Podemos citar o Ilê Orixalá Funfun, em Guarulhos, São Paulo, com Idérito do Nascimento Corral, filho de santo de Menininha do Gantois. No Rio de Janeiro, foi fundado outro Axé Opô Afonjá por Mãe Aninha; em Miguel Couto, Nitinha de Oxum funda o terreiro de Nossa Senhora das Candeias. E muitos nomes adquirem grande prestígio, como Olga Francisca Régis, Oyafunmi de Matutu, Procópio Xavier de Souza, Ogum Jobi, também de Matutu, entre outros.

A organização do culto, dos ritos e das tradições nos Candomblés, se deu sob um processo complexo. As invasões sofridas na África pelos povos do norte obrigou que o próprio território yorubá se transferisse mais para o sul, e foi necessário reorganizar toda a sociedade, inclusive o culto aos Orixás, por causa da desestruturação causada pelas invasões. Nesse processo de reorganização, a realeza, sabendo que já se formava uma organização yorubá no Brasil, auxilia o estabelecimento e a organização do culto aos Orixás. Iyá Nassô surge então como  a personagem principal nessa reorganização. A constituição dessa sociedade civil yorubá no Brasil, com cargos e hierarquia como na África, reproduz a mesma dos países e cidades yorubás. Hoje nos terreiros, ainda é possível se perceber a prática dessa hierarquia, como se sentar abaixo do Babalorixá ou Iyalorixá, não comer antes destes, não olhar nos olhos, entre outros.

Já as Casas de Jeje, tiveram sua origem com Ludovina Pessoa, que seguiu um processo parecido com o Candomblé de Ketu, porém sem uma participação ou influência direta da realeza africana. Mas, da mesma forma, criou-se um panteão de Voduns que são basicamente os da Mitologia Ewé e Fon, assim como a hierarquia com cargos.

Os Candomblés de Angola tiveram um processo diferenciado por já existirem sob outras formas de culto, na maioria sincretizados como os Calundus, Catimbós, Jurema Sagrada, Cachimbada e outros. É difícil estabelecer um inicío na formação do Culto Bantu como foi com o Ketu e o Jeje. Isso porque os Bantu são mais antigos e mais sincretizados. O fato de a maioria dos quilombos serem Bantu não permite uma constatação de grau e número, nem mesmo a data exata do início dos cultos.

No Sudeste do Brasil, especialmente no Rio de Janeiro, há o Omolokô, uma forma de culto que preserva muito das tradições, tanto Bantu quanto Yorubá, e se assemelha aos Candomblés. Segundo relatos da Mãe de Santo Lea Maria Fonseca da Costa e do Pai de Santo Tancredo da Silva Pinto, a origem do nome Omolokô pode também estar ligada ao povo Loko que era governado pelo rei Farma, no Sertão de Serra Leoa. Ele foi o rei mais poderoso entre todos os Malês. Sua cidade chamava-se "Lokoja"  e localizava-se à margem do Rio Mitombo, afluente do Rio Benue, que por  sua vez é afluente do grande Rio Níger. Segundo Lea Maria Fonseca da Costa, "Omo' significa 'filho' e 'Loko' refere-se à árvore Iroko, gerando algo como "Filhos da Gameleira Branca". A versão de Tancredo da Silva Pinto, Tata Ti Nkisi (pai de santo de angola), diz: "Omo" - Filho e "Oko" - fazenda,  referindo-se ao local do culto.

Ao mesmo tempo em que se preserva atos, cantigas e ritos essencialmente africanos, o Omolokô também pratica certo sincretismo, podendo ser confundido com a Umbanda.

Porém, as tradições africanas prevaleceram sobre o sincretismo cristão, ao contrário da Umbanda. Mas, como ocorre com qualquer manifestação religiosa africana, a preservação de elementos de outras tradições faz parte do culto aos Orixás no Omolokô. Por causa dessa característica, criou-se o termo Umbandomblé para classificar tal culto, que é equivocado, pois o Omolokô tem sua organização semelhante ao Candomblè de Nação, porém, integra cultos a Caboclos,  Pretos Velhos e outras entidades, comuns na Umbanda.

As semelhanças entre as Nações são muitas no que diz respeito à organização, essência, moral e ética. O que muda são os nomes, as rezas, as cantigas, os ritos e os preceitos. Por exemplo, Minkisi são as entidades Bantu, os Orixás são yorubás e os  Voduns são Jeje.

A partir do surgimento das Casas de Candomblé passaram a surgir os Axés. Um Axé pode ser considerado uma filial da Nação. Os filhos e filhas de Santo das primeiras casas que foram se tornando sacerdotes, passaram a fundar outras casas e era comum que integrassem ou excluíssem alguns rituais, rezas, atos e preceitos que se diferenciavam daquilo que era estabelecido em outra casa irmã. Duas casas podem ser de tradição Ketu, mas praticarem o culto e os rituais com algumas diferenças.

Atualmente essas diferenciações acabaram criando divergências e conflitos entre sacerdotes pelo fato de um determinado Axé julgar o que o outro faz inadequado, questões complexas que envolvem muitos fatores e não cabe a mim me aprofundar neste assunto nesse momento.


 

Obrigado pela leitura. Grande axé a todos.

segunda-feira, 27 de novembro de 2017

Obì - A Fruta Sagrada

Olódùmarè chama seus filhos para regressarem ao seu lar, porém, nem mesmo a morte é capaz de apagar as lembranças dos feitos de grandes homens. O Obì, é muito importante no Culto dos Orisás. A Noz de Cola, o Obì, é o símbolo da oração no Orún. Foi Òrunmilá quem revelou como a Noz de Cola foi criada. Quando Olódumarè descobriu que as divindades estavam lutando umas contra as outras, antes de ficar claro que Èsú era o responsável por isso, Olódùmarè decidiu convidar as quatros mais moderadas divindades: Paz, Prosperidade, Concórdia e Aìyè, a única divindade feminina presente, para entrarem em acordo sobre a situação. Eles deliberaram longamente sobre o motivo de que os mais jovens não mais respeitarem os mais velhos, como ordenado pelo Deus Supremo. Todos começaram então a rezar pelo retorno da unanimidade e equilíbrio. Enquanto estavam rezando pela restauração da harmonia, Olódùmarè abriu a fechou sua mão direita apanhando o ar, em seguida, abriu e fechou sua mão esquerda, de novo apanhando o ar. Após isso, ele foi para fora mantendo suas mãos cerradas e plantou o conteúdo das duas mãos no chão, suas mãos haviam apanhado no ar as orações e Ele as plantou. No dia seguinte, uma árvore havia crescido no lugar onde Olódùmarè havia plantado as orações que Ele apanhou no ar. Ela rapidamente cresceu, floresceu e deu frutos. Quando as frutas amadureceram para colheita, começaram a cair no solo. Aiyê pegou-as e as levou para Olódùmarè, que lhes disse para que fosse preparar as frutas do jeito que mais lhe agradasse. Ela tostou as frutas e estas mudaram sua textura, o que as deixou com gosto ruim. No outro dia, ela pegou mais frutas e as cozinhou, mudaram de cor e não podiam ser comidas. Enquanto isso, outros foram fazendo tentativas, mas no entanto, todas foram mal sucedidas. Foram então até Olódùmarè para falar que a missão de descobrir como preparar as nozes era impraticável,.Quando ninguém sabia o que fazer, Elénìnìí, a divindade do obstáculo, se ofereceu como voluntária para guardar as frutas. Todas as frutas colhidas foram então dadas a ela. Elènìnìí então, partiu a cápsula, limpou e lavou as nozes e as guardou com as folhas para que ficassem frescas por quatorze dias. Depois, ela começou a comer as nozes cruas. Ela esperou mais quatorze dias e depois disso, percebeu que as nozes estavam vigorosas e frescas. Após isso, ela levou as frutas para Olódùmarè e pronunciou a todos que a fruta das preces (Obì), podia ser ingerido cru, sem nenhum perigo.
Olódùmarè então estabeleceu que, já que tinha sido Elènìnìí, a mais velha divindade em Sua Casa, quem conseguiu descodificar o segredo do produto das orações, as nozes deveriam ser dali por diante, não somente um alimento do céu, mas também onde fossem apresentadas, deveriam ser sempre oferecidas primeiro aos mais velhos do grupo e seu consumo deveria ser sempre precedido por preces. Olódùmarè ao mesmo tempo proclamou que como um símbolo da prece, a árvore somente cresceria em lugares onde as pessoas respeitassem os mais velhos.
Naquela reunião do Conselho Divino, a primeira nos de cola foi partida pelo próprio Olódùmarè e tinha duas partes. Ele pegou uma e deu a outra para Elènìnìí, a mais antiga divindade presente. A próxima noz de cola tinha três partes, as quais representavam as três divindades masculinas que proferiram as orações que fizeram a árvore da noz de cola existir. A próxima noz tinha quatro partes e incluíam assim Aiyê, a única mulher que estava presenta na cerimônia. A próxima noz tinha cinco partes e incluiu Òrìsàlá.  A próxima noz tinha seis partes representando a harmonia, o desejo das orações divinas. A noz de cola com seis partes foi então dividida e distribuída entre todos no Conselho. Aiyê então levou a noz de cola para a Terra, onde sua presença é marcada por preces e ela só germina e floresce em comunidades onde existe respeito pelos mais velhos, pelos ancestrais e pela tradição.
A árvore de noz de cola, é cultivada pelo mundo inteiro, mais teve sua origem nas terras Africanas. Chega a alcançar mais de 25m de altura e seu uso comercial e medicinal é bastante explorado por várias empresas no ramo alimentício e de bebidas. Sendo um dos ingredientes do refrigerante Coca-Cola, seu uso não se limita apenas em alimento, possui utilidades anti-inflamatórias, redução de apetite, enjoos, enxaquecas e indisposição, entre outras propriedades como óleos de fragâncias.
Nas religiões de matrizes africanas, seu uso é amplamente utilizado em toda e qualquer obrigação ou oferenda que possa ser feita para o sagrado. Desde a iniciação de um Yaô até sua partida para o Orún.

Axé a todos.