Exú
- de Mensageiro a Diabo
Trazido
pelos escravos com outros Deuses do panteão Yoruba, Exu foi colocado à margem e
passou por um processo de demonização que se inicia na missão católica na
África e se estende no período colonial brasileiro, onde seus atributos
originais foram ocultados.
Exu
que na África era caracterizado como o princípio da vida, a força que move os
corpos, a dinâmica, o senhor dos caminhos e das encruzilhadas, a principal
ponte entre os mortais e as divindades que habitam o além, passa a ser visto
como a personificação do mal perante o modelo cristão, devido ao seu símbolo
fálico e seu comportamento astucioso.
Os primeiros europeus que tiveram contato na
África com o culto do orixá Exu dos iorubás, venerado pelos fons como o vodum
Legba ou Elegbara, atribuíram a essa divindade uma dupla identidade: a do deus
fálico greco-romano Príapo e a do diabo dos judeus e cristãos. A primeira por
causa dos altares, representações materiais e símbolos fálicos do orixá-vodum;
a segunda em razão de suas atribuições específicas no panteão dos orixás e
voduns e suas qualificações morais narradas pela mitologia, que o mostra como
um orixá que contraria as regras mais gerais de conduta aceitas socialmente,
conquanto não sejam conhecidos mitos de Exu que o identifiquem com o diabo (Prandi,
2001: 38-83).
O mais
controverso do panteão africano. É o que mais se aproxima do ser humano. Contém em
si todas as contradições e conflitos inerentes ao ser humano. Exu não é
totalmente bom nem totalmente mau, assim como o homem: um ser capaz de amar e
odiar, unir e separar, promover a paz e a guerra.
Para os antigos iorubás, os homens habitam a Terra, o Aiê, e os
deuses orixás, o Orum. Mas muitos laços e obrigações ligam os dois mundos. Os
homens alimentam continuamente os orixás, dividindo com eles sua comida e
bebida, os vestem, adornam e cuidam de sua diversão. Os orixás são parte da
família, são os remotos fundadores das linhagens cujas origens se perdem no
passado mítico. Em troca dessas oferendas, os orixás protegem, ajudam e dão
identidade aos seus descendentes humanos.
As oferendas dos homens aos orixás devem ser transportadas até o
mundo dos deuses. Exu tem este encargo, de transportador. Também é preciso
saber se os orixás estão satisfeitos com a atenção a eles dispensada pelos seus
descendentes, os seres humanos. Exu propicia essa comunicação, traz suas
mensagens, é o mensageiro. É fundamental para a sobrevivência dos mortais
receber as determinações e os conselhos que os orixás enviam do Aiê. Exu é o portador
das orientações e ordens, é o porta-voz dos deuses e entre os deuses. Exu faz a
ponte entre este mundo e mundo dos orixás, especialmente nas consultas
oraculares. Como os orixás interferem em tudo o que ocorre neste mundo,
incluindo o cotidiano dos viventes e os fenômenos da própria natureza, nada
acontece sem o trabalho de intermediário do mensageiro e transportador Exu.
Exu deve então receber os sacrifícios votivos, deve ser propiciado,
sempre que algum orixá recebe oferenda, pois o sacrifício é o único mecanismo
através do qual os humanos se dirigem aos orixás, e o sacrifício significa a
reafirmação dos laços de lealdade, solidariedade e retribuição entre os
habitantes do Aiê e os habitantes do Orum. Sempre que um orixá é interpelado,
Exu também o é, pois a interpelação de todos se faz através dele. É preciso que
ele receba oferenda, sem a qual a comunicação não se realiza. Por isso é
costume dizer que Exu não trabalha sem pagamento, o que acabou por imputar-lhe,
quando o ideal cristão do trabalho desinteressado da caridade se interpôs entre
os santos católicos e os orixás, a imagem de mercenário, interesseiro e venal.
Como mensageiro dos deuses, Exu tudo sabe, não há segredos para ele,
tudo ele ouve e tudo ele transmite. E pode quase tudo, pois conhece todas as
receitas, todas as fórmulas, todas as magias.
Foi sem dúvida o processo de cristianização de Oxalá e outros orixás
que empurrou Exu para o domínio do inferno católico, como um contraponto
requerido pelo molde sincrético. Pois, ao se ajustar a religião dos orixás ao
modelo da religião cristã, faltava evidentemente preencher o lado satânico do
esquema deus-diabo, bem-mal, salvação-perdição, céu-inferno, e quem melhor que
Exu para o papel do demônio? Sua fama já não era das melhores
Transfigurado no diabo, Exu teve que passar por algumas mudanças
para se adequar ao contexto cultural brasileiro hegemonicamente católico.
Assim, num meio em que as conotações de ordem sexual eram fortemente
reprimidas, o lado priápico de Exu foi muito dissimulado e em grande parte
esquecido. Suas imagens brasileiras perderam o esplendor fálico do explícito
Elegbara, disfarçando-se tanto quanto possível seus símbolos sexuais, pois
mesmo sendo transformado em diabo, era então um diabo de cristãos, o que impôs
uma inegável pudicícia que Exu não conhecera antes. Em troca ganhou chifres,
rabo e até mesmo os pés de bode próprios de demônios antigos e medievais dos
católicos.
O coroamento da carreira de Exu como o senhor do inferno se deu com
o surgimento da umbanda no primeiro quartel do século XX. Apesar de conservar
do candomblé o panteão de deuses iorubás, o rito dançado, o transe de
incorporação dos orixás e antepassados, e certa prática sacrificial
remanescente, a umbanda reproduziu pouco das concepções africanas preservadas
no candomblé.
No candomblé, como na África, Exu é concebido como divindade
múltipla, o que também ocorre com os orixás, que são reconhecidos e venerados
através de diferentes invocações
Exu se multiplica ao infinito, pois cada casa, cada rua, cada
cidade, cada mercado etc. tem seu guardião. Também cada ser humano tem seu Exu,
que é assentado, nominado e regularmente propiciado, ligando aquele ser humano
ao seu orixá pessoal e ao mundo das divindades
Referências Bibliográficas
Dança das Cabaças = Documentário poético que investiga a divindade
africana Exu no imaginário popular brasileiro dirigido por Kiko Dinucci. O
filme passa pelas diversas vertentes das religiões afro-descendentes, dos
candomblés (de tradição Nagô, Jeje, Bantu), Tambor de Mina, passando pela
Umbanda e Quimbanda. Dança das Cabaças-Exu no Brasil conta com participações de
Sacerdotes e estudiosos.
PRANDI, Reginaldo. Os candomblés de São Paulo. São Paulo,
Hucitec, 1991.
PRANDI, Reginaldo. Mitologia dos orixás. São Paulo, Companhia das
Letras, 2001.
VERGER, Pierre. Notas sobre o culto aos orixás e voduns. Tradução
de Carlos Eugênio Marcondes de Moura, do original de 1957. São Paulo, Edusp,
1999.
Todas as imagens foram tiradas da web.
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